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Inês Costa Graça

Quem?


A brisa fresca num dia quente tem algo em comum com a pele que há em nós. Há algo na matéria que compõe esse ar tão leve que também se encontra na fibra que se enlaça para compor este tecido que nos reveste. E isto é como uma abelha que, ao entrar numa flor, sabe que o açúcar que se lhe oferece, irá garantir-lhe sustento. Dá vida a esse encontro com o néctar que a espera, desejoso, e depois faz o mel. Também o calor que nos habita se regozija ao sentir-se tocado pelas partículas de frescura que furam de levezinho a pele e nos chegam, uma a uma, ao que temos cá dentro. Não sei se todos entendem isto, se pensam nisto sequer. Não, isso acho que não, tenho quase a certeza. Há a quem baste sentir e pronto. Ah, que fresquinho, e já está, lá voou o pensamento com a próxima corrente de ar fresco incessante, que há de ir e voltar depois. Mas percebe que isto não é isto e mais nada. Há mais sobre o que eu disse, mais para além desta vaga noção.


Quando as cordas vibrantes de uma guitarra provocam o ar farto que descansava vazio em si, enchem-no de qualquer coisa que lhe faltava, e toda a gente repara. O ar toma forma de onda e essas vêm a nadar aos nossos ouvidos, que se deleitam com a harmonia. Agora, o ar está pleno. E se se juntar um pranto cantado a esse instante, choram-nos os olhos de qualquer coisa que sentimos e não sabemos dizer. Fomos nós que criámos as palavras. Elas não estavam lá no início e por isso não aprenderam a contar o que há no mundo. Pelo menos não tudo, são muitas coisas.

É que isto parece tudo propositado, percebes? Só podia ser tão perfeito assim se alguém tivesse pensado nisso antes de o ser. Não, alguém não. Qualquer um se esqueceria do mero detalhe e poria em causa todo o ciclo que nos pauta a existência. Só se Deus... Não, também não foi Ele. Não me venhas com Deus que eu não suporto a hegemonia!

Quem...? o quê!?...


Se me deito e olho o céu estrelado, algo se curva diante de mim, para lá da imagem. Há uma troca ineludível entre o que olha e o que é olhado. Chega-me de lá uma serenidade, e não é a luz que a traz. Porque, se pudesse ser medida, seria muito pequena para ser levada, seria daquelas coisas que nem se tocam de tão sublimes. Mas sentem-se. E também eu dou de mim qualquer coisa que brilha baixinho, tão baixinho que não se vê. Pelo menos não com os olhos...


Não te questionas sobre quem terá plantado tal completude? Eu gostava de saber, para ao menos lhe perguntar o que fazer com os excessos que criámos. É que sinto que qualquer dia o ciclo rebenta. Ninguém avisou a quem fez tudo isto que nós viéssemos e enchêssemos tanto tudo. Que deitássemos mão a tanta coisa que já cá estava e funcionava tão bem por si. Se pudesses, não lhe perguntavas o que fazer? Que farás tu se deixares de sentir as estrelas? Se não te fizerem mais chorar as ondinhas de ar que te entram nos ouvidos? O que restará se o teu calor não se agitar mais com a brisa fresca? Pior, se não houver mais quente em ti? Pergunto-te porque não sei o que farei eu, e se ao menos tivesses ideia...

Talvez seja melhor esperar que a resposta brote em flor. Pode ser que essa já tenha sido plantada há muito, e que fizesse parte disto sentirmos o medo de que te falo. Pode ser que o fruto que depois vem tenha em si o doce de mais um círculo perpétuo. Só espero que não traga consigo o dom de dizer o que ainda não conseguimos, acho que não nos faz falta.

Não achas?






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