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Luana Fernandes

A atual "Sociedade do Cansaço"


Já alguma vez deste por ti a fazer algo de que gostas, a passar tempo com os teus amigos, ou simplesmente a descansar e te veio à cabeça a sensação de estares a “desperdiçar tempo”?


Cada vez mais, tudo o que fazemos parece obedecer a uma lógica de produtividade, que se tem vindo a tornar num fardo tão pesado, que o mero repouso resulta num excessivo sentimento de culpa e insuficiência. Na azáfama da atual sociedade, caminhamos para um abismo de intolerância ao tédio e de incapacidade contemplativa: existe em nós uma ansiedade constante que nos impede de usufruir cada momento sem sermos dominados por pensamentos acerca do que deveríamos estar a fazer, do que deveríamos ter feito ou de tudo aquilo que ainda temos para fazer.





Somos todos os dias bombardeados com propaganda de auto-realização, seja em formato de livros, vídeos e até mesmo palestras e workshops, que nos incumbem de “dar o máximo de nós próprios no mínimo que fazemos”: de acordar todos os dias antes do sol nascer, meditar pelo menos durante meia hora e, claro, não nos pode faltar disciplina para o exercício matinal. “Porque de manhã é que se começa o dia”. Isto tudo para termos tempo para passar as restantes horas sentados em frente a um computador, e à semelhança da própria máquina, só desligar quando a bateria se esgotar totalmente.


À primeira vista, a produtividade pode soar como sendo algo positivo. Na verdade, não deixa de o ser. O problema surge quando ser produtivo, tanto a nível pessoal como profissional, se transforma numa obsessão: uma preocupação constante por querer atender às expectativas, não apenas da sociedade em geral, mas sobretudo de nós próprios.


Neste cenário, a tão propagada “auto-realização”, conduz-nos precisamente à autodestruição. São inúmeros os estudos que provam que os problemas associados à saúde mental, nomeadamente à ansiedade, à hiperatividade, à síndrome do “burnout” e à própria depressão, têm vindo a afetar, como nunca antes, a nossa geração.


Esta “produtividade tóxica” enquadra-se num fenómeno social mais amplo, a que o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han designa “Sociedade do cansaço”: um ambiente patológico de neuroses, pautado por uma positividade excessiva, onde existe uma normalização e sobretudo uma glorificação de indivíduos inquietos e hiperativos, tudo isto sob o pano da produtividade. O nosso valor e a nossa identidade são portanto reduzidos àquilo que conseguimos fazer e produzir, motivados por uma obsessão pela disciplina e pela eficácia.


A atual sociedade neoliberalista, cada vez mais competitiva e individualista, leva-nos a assumir o papel de “chefes de nós próprios”, que se reflete numa servidão voluntária pós-marxista, na medida em que a “alienação” não demanda mais um terceiro. Alcançada esta condição, deixamos de ter como máxima a obediência ao outro, o cumprimento da lei e do dever, mas antes um sentimento ilusório de “liberdade” e de “autonomia”, que nos conduz à exploração de todos os nossos recursos físicos e mentais e nos aproxima de um colapso.


Este fenómeno está também associado ao “excesso de positividade” presente em todas as esferas da sociedade contemporânea, em que predominam mensagens de ação produtiva e a ideia de que todas as metas são alcançáveis através do esforço e da disciplina. O perigo desta lógica é que no lugar do enunciado disciplinar - “tu deves” - imposto por um terceiro, entra em cena um novo enunciado - “eu posso”- o qual, no seu aspeto imanente, remete a uma falsa sensação de liberdade.


A verdade é que somos seres limitados – não apenas fisicamente, mas também social e economicamente - pelo que estas premissas levam a uma constante frustração, que é por elas próprias romantizada. Será sempre possível conquistar uma melhor versão de nós próprios, pelo que nunca devemos parar até atingirmos a excelência e o sucesso.


Este positivismo extremo leva-nos ainda a impor a nós próprios – e aos outros - uma atitude falsamente positiva: generalizamos um estado feliz e otimista, independentemente da situação, através de um silenciamento de emoções "negativas", tanto nossas como das pessoas à nossa volta. “É só pensar positivo”.


Neste cenário de “auto-exploração”, em que nos tornamos escravos de nós próprios e em que suprimimos todos os aspetos emocionais que sentimos diante de qualquer situação que nos represente um desafio, surge portanto uma nova forma de violência: a violência neural, que deixa de estar associada a uma negatividade exterior, manifestada através do confronto entre duas ou mais entidades, para passar a se manifestar cada vez mais subtil e silenciosamente, estabelecendo uma relação unipessoal, em que o próprio agressor é vítima de si mesmo.


Vivemos numa luta constante connosco próprios. Porém, ao concorrer contra a nossa pessoa, somos incapazes de chegar a uma conclusão. Jamais alcançamos o ponto de repouso da gratificação. Passamos a viver constantemente num sentimento de carência e de culpa, procurando obsessivamente superar-nos a nós próprios, até sucumbirmos.


Será este o nosso futuro?





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