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Carolina Correia e Isabel Costa

A (des)proporcionalidade do poder

Parece ser exatamente numa faculdade de Direito, o sítio que deveria inspirar uma maior democracia, que os pratos da balança se começam a desequilibrar. Os dias são longos, as aulas são duras e, mesmo assim, parecemos viver num ambiente que expira o oposto de empatia. Quem mais deveria lutar pelo equilíbrio social e justiça, é quem mais facilmente esquece a doutrina dos “freios e contrapesos”. Lutamos tanto pelo nosso mérito pessoal, pela chance de sermos alguém, que nos esquecemos que sozinhos nada somos, que sem a comunidade à nossa volta nada acontece, que sem pessoas o mundo não se mexe.

Quando as hierarquias se sobrepõem ao bom senso e aos trâmites das relações interpessoais estamos perante uma das maiores perdas da humanidade, quando os agentes da mudança escolhem apenas mudar o que ajuda os próprios e esquecer que a mudança só serve se beneficiar todos, quando as “antíteses do burocrata” dificultam os seus próprios processos para impedir que estes sejam atingíveis pelos demais, quando não olham a meios para atingir os fins, quando abusam do seu poder – algo está seriamente errado.

Deixarmo-nos levar pelo poder que, por um meio ou por outro, nos dão, não só constitui um abuso de confiança como é precisamente o oposto daquilo que todos devíamos ambicionar atingir num mundo democrático e num mundo em que todos podemos viver em harmonia e com iguais oportunidades. No mundo em que, em princípio, todos queremos viver. Para se garantir o respeito pelas instituições, não precisamos de autoritarismos despropositados, nem de ações desmedidas. Não precisamos de viver em medo constante em ambientes que deveriam ser de leveza, colaboração e partilha. As regras são fundamentais. Mas nunca podemos deixar para trás os tão conhecidos “freios e contrapesos” que devem vir com elas.

No universo do Direito, o princípio da proporcionalidade é o mais parecido que temos com bom senso e equilíbrio. Por isso, deixamos um apelo a que todos comecemos a aplicá-lo no nosso quotidiano. Antes de agirmos, pensemos: é adequado? é necessário? Existem mais vantagens nesta atuação do que desvantagens? E, ao fazê-lo, não pensemos apenas no que é mais benéfico para nós mesmos. Retiremo-nos da equação por alguns momentos. Será que é proporcional agir desta maneira neste momento? Talvez nos surpreendamos com a quantidade de vezes em que, ao pensar desta forma, agiríamos de forma diferente… Talvez o mundo fosse um lugar melhor, mais feliz, com mais humanidade. Talvez todos o quiséssemos habitar sem receios.

Numa altura em que tanto falamos (e bem) de saúde mental, por que é que escolhemos tantas vezes pôr de lado a empatia, e nos esquecemos de pesar os reais benefícios de agirmos de certa forma, muitas vezes sem efetiva justificação? Por que é que gritamos aos sete ventos que nos preocupamos com os outros, que sentimos as injustiças do mundo e as tentamos resolver, que amamos aqueles que nos são mais próximos, se depois nem eles sabemos tratar com a empatia necessária? Se nem por eles pomos de lado as nossas ambições invencíveis?


Numa sociedade que já aspira a tanto mal, num mundo que já transborda de crueldade, numa faculdade que já propende para o desespero, não sejamos mais um veículo de malignidade, mais um tubo de escape de truculência. Não. Sejamos antes uma mão amiga, uma cara conhecida, um rosto familiar. Sejamos aqueles de quem o mundo precisa, por muito difícil que isso seja, e não aqueles que o mundo já tem em excesso. O verdadeiro desafio que a vida nos apresenta não é alcançar as posições de destaque, essas são atingíveis com mais ou menos suor; a dificuldade não está em construir uma casa, está em fazê-lo sem deixar pedras para que os outros tropecem, está em limpar à medida que avançamos para que os outros não tenham de sofrer com o pó que fica no ar, está em não cobiçar o andar extra que o vizinho tem. A dificuldade está em distinguir entre a própria ambição e os meios usados para atingir o que tanto ambicionamos. Muitas vezes, temos de ter cuidado para que a linha ténue não se apague…

Não nos deixemos enganar pelo que vemos os grandes líderes a fazer, não nos enganemos com o modo pelo qual os vemos a chegar ao poder… O mundo não precisa de mais hipocrisia e traição. O mundo precisa, agora e desde sempre, dos “grandes de alma” – aqueles que estão sempre prontos a ajudar, aqueles que se esforçam para nos deixar com um sorriso na cara, aqueles que partilham o guarda-chuva, e não os que rezam para que fiquemos constipados…



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