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Inês Costa Graça

A homeostasia da calma

Às vezes, apetece-me chorar.


Não porque alguém partiu, ou algo se perdeu. Principalmente quando nada de triste se passou, apetece-me chorar.


Como se das águas paradas de um lago, de repente principiasse uma chuva sincera para dentro, molhando a água e as algas e os peixes. Como se, em terreno firme e imóvel, inusitadamente se rebelasse uma partícula, capaz de fazer a estrutura ceder. Como se, no espaço infindável e adormecido, um algo de nada algures se expandisse aos bocadinhos, fazendo eclodir o Universo.


A mim, por vezes, apetece-me chorar.


Há certos momentos de calma que causam em mim compulsões internas, junto do coração, isto é, que me comovem. Quando olho alguém que amo e me recordo das verdades que esse conceito figura. Quando ouço certa melodia. Quando leio esta ou outra passagem. Por meras razões de homeostasia, pequenas gotas de mar diluído fazem eclodir os depósitos em que se encontram nos cantinhos dos meus olhos e deixam-se escorregar, isto é, choro.


Não vou dizer que choro de alegria, não acredito que seja essa a razão subjacente a todo este processo. Acho que há uma certa tristeza nas coisas calmas, nas coisas certas, nas coisas que nos fazem felizes. Porque todas as verdades têm dois polos e a felicidade não pode ser diferente se vigora no mesmo plano que tudo o resto.


Há alguma melancolia naquilo que é alegre, uma certa alegria em tudo o que é triste. Talvez chore porque o sei, ou melhor, porque o sinto, sem o saber.


Talvez a tristeza e a alegria sejam a mesma coisa, com jeitos diferentes de se mostrar. Talvez sejam coisas diferentes que se mostram da mesma maneira, já que ambas me fazem chorar. Ou uma delas. Ou aquela que é também a outra, ao mesmo tempo.

É que nenhuma constante é eternamente constante. Só o é enquanto não chove, enquanto não se rebelam as partículas, e enquanto os bocados de nada não decidirem expandir-se imprevisivelmente. Talvez seja esse o outro polo da alegria, o da sua efemeridade. Se assim for, apetece-me chorar porque aquilo que me comove tem um fim certo, mas imprevisível. Porque a calma não antecipa o momento em que será posta em causa, ou não seria calma. Porque os finais me amedrontam e a extinção da rotina é uma ideia tão difícil de suportar.

Mas isto não é certo, porque as coisas não acabam verdadeiramente. As verdades que parecem acabar apenas se transformaram noutra coisa qualquer. Deve haver espaço, nessa transformação para que a felicidade se converta também. Não em tristeza, mas numa outra versão de si mesma. Afinal, o amor não pode simplesmente desintegrar-se, e não há perda na transformação. Comovo-me, então, pela beleza que subjaz a todos estes câmbios encadeados de verdades. Pela multiplicidade de variáveis que cabem dentro de cada certeza. Não choro de alegria, nem choro de tristeza.


Independentemente disso, agora, apetece-me chorar - esta manhã, o meu pai sorriu para mim ao despedir-se para ir trabalhar. Não me sinto feliz, tão-pouco me sinto triste. Tudo está calmo.

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