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Isabel Costa

A Ilusão do Sucesso

Eu não nasci com nenhum talento especial. Não sei cantar, não sou boa a fazer qualquer tipo de desporto, desenho pior do que muitas crianças no infantário e, Deus me livre, tenho zero noção do que é ritmo. A sério, não vão dançar comigo, é desastroso.

Quando era mais nova, o comentário era sempre o mesmo: “a sua filha é muito respondona” ou “tem uma personalidade muito vincada para a idade”, a minha mãe simplesmente sorria, ela sabia a peça que tinha em casa; ao que parecia o meu talento era mesmo esse: tinha uma língua afiada e nunca parava calada. Claramente tinha faltado às aulas de etiqueta onde aprendiamos a respeitar o patriarcado. Oh não, mais uma mulher com opiniões…


Toda a minha vida me perguntaram o que queria ser quando fosse grande, acho que ninguém queria mesmo saber a resposta, porque, momentos antes de sequer conseguir abrir a boca, já estavam a proferir a típica frase “sabes que com essas notas podes ser o que quiseres, até podes ser médica!”. Eu nunca quis ser médica, quem me conhece sabe o desastre que isso seria (desastrada é capaz de ser o meu nome do meio…); nunca me imaginei a percorrer os corredores de um hospital numa qualquer bata branca, nem sentada numa cadeira no topo de uma torre monstruosa (aquela típica imagem de sucesso, algo saído de Suits), nunca quis ter um quadro no Louvre, nem cantar na 02 Arena, muito menos aparecer na NFL…


A minha resposta foi sempre a mesma (e é a que, ao dia de hoje, continuo a dar): eu quero ter orgulho de mim própria (o que quer que isso signifique). Essa sempre foi a minha ideia de sucesso; sempre quis ser a pessoa que olha para si e para o seu percurso e vê mais felicidade do que arrependimentos; a pessoa que vê mais conquistas do que derrotas; a pessoa que vê uma vida, não apenas uma existência… Eu não quero ter o meu nome no jornal, muito menos sonho em aparecer na televisão; realisticamente, se a minha professora de português do 12.º ano ainda se lembrar de mim, já fico feliz…


Porém, os meus ambíguos planos de vida, levantam uma dúvida ainda mais pertinente: quando é que eu sei que posso estar orgulhosa? Quando é que posso começar a sentir este orgulho? Como é que ele se parece?

O que tenho vindo a descobrir, nos meus escassos anos de existência, é que, muito como a felicidade, também este orgulho que aspiro sentir é relativo, pois ele não é permanente, não é uma sombra que nos persegue, nem uma luz escondida numa sala escura, é mais como aquela tristeza que nos assoberba espontaneamente. É algo como partilhar um olhar prolongado com a nossa crush; é apaixonante, é reconfortante e é excitante, mas, ao mesmo tempo, deixa milhares de dúvidas e, muitas vezes, transforma o nosso cérebro numa maré ainda mais irrequieta.


Produz, irremediavelmente, aquele angustiante “E agora?”

Vive em nós e abana-nos assim que sentimos aquele espetro de orgulho no que fizemos. Está na altura de avançar para algo mais, para algo maior. Isto já está feito, já saboreaste a tua vitória, siga para a próxima. Será que alguma vez vou ter orgulho em mim própria se estou constantemente à procura de outra coisa? Será que vou satisfazer o único desejo que sempre tive? Será que isso sequer é possível? Será que faz sentido pensar assim?


Sempre me disseram que eu podia ser o que quisesse, que eu podia ser rica (como se o dinheiro valesse alguma coisa), que eu podia ter uma mansão (como se eu precisasse de mais do que uma cama), que eu podia ter um Ferrari (como se eu sequer soubesse conduzir), que eu podia ir à Lua (como se eu sequer conhecesse 1/100 da Terra), que eu podia deter os mais altos cargos nas mais prestigiadas firmas. Como se o sucesso fosse algo unilateral que só pode ser expresso em coisas supérfluas palpáveis ou através de validação social estéril? Sinceramente, nunca quis nada disso. Afinal de contas de que serve um currículo cheio com um coração vazio?


Será que perdemos tanto tempo em busca de uma versão fantasia de sucesso que, ao longo do caminho, nos acabamos por perder a nós próprios? Que deixamos de entender o quanto já alcançamos e tudo o que já fizemos? Que os nossos esforços se tornam míseras etapas num percurso que nem questionamos? Que o orgulho se torna acessório e dispensável, algo que cada vez dura menos e é mais tênue, como se um meio débil para um fim inatingível; algo que temos de sentir para avançar ao próximo passo e não algo que merecemos por ter dado até a mais ínfima parte do nosso ser por algo que parecia ser o certo? Perseguimos durante tantos anos o fato à medida e os sapatos engraxados que perdemos noção de que éramos mais inteiros quando tínhamos blazer baratos e meias rotas. Talvez o sucesso não se esconda no quanto temos, mas no quanto conseguimos fazer com isso - novamente, de nada serve uma conta recheada se não temos onde gastar esse dinheiro.


Eu não sei onde vou parar, não sei o que vou acabar por fazer, nem por quanto tempo, só sei que quero ter orgulho de o estar a fazer no preciso momento em que esse pensamento me assombrar, quer isso seja no tão esperado destino final ou no meio de uma estrada sem fim.

Então, afinal, quando é que eu posso sentir esse orgulho? Sempre que saiba que estou onde devo estar. (Hoje é um desses dias).


Os meus pais sempre me disseram que eu podia apenas ser feliz, se calhar gosto mais dessa versão.


Olhem à vossa volta. Estão felizes neste momento? Sentem-se concretizados?

Talvez esse seja o maior sucesso de todos…


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