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Hugo Mendes

A Importância da Representatividade

Quando éramos crianças, ansiávamos pelo momento em que acordávamos às 7h da manhã e nos dirigíamos à sala de estar para ver desenhos animados. H20, Gormiti, Power Rangers, Porquinha Peppa, Oliver e Benji. Vibrávamos com cada segundo dos seus episódios. Uns anos depois, recordamo-los nostalgicamente, mas, por vezes, não nos apercebemos que até esses, e sobretudo muitos outros, começaram a moldar-nos enquanto pessoas.


Num mundo em constante algazarra, onde se demorares 2 horas a ler 50 páginas de um livro de Direito Administrativo te culpabilizas pelo tempo que despendeste, apercebendo-te que devias ter tirado apontamentos ao longo da leitura e que, por não o ter feito, terás de te safar de outra forma caso contrário serás condenado à leitura das mesmas 50 páginas por mais 2 horas da tua vida; nunca valorizámos tanto os nossos momentos - também eles urgentes - de lazer. Estes passam, precisamente, pela visualização de um filme, de um episódio de uma série, de um vídeo no YouTube (ou muitos, porque é sempre “só mais um e depois vou estudar”), ou pela leitura de um livro. No entanto, já pararam para pensar que dessas séries, filmes e livros vamos captando as aparências, maneirismos e falas das suas personagens, seja consciente ou inconscientemente?


Quantas vezes veem o casal heterossexual composto por um homem branco gerente de uma empresa e uma mulher branca que trabalha num salão de beleza nas novelas nacionais? Quantas vezes veem as irmãs gémeas separadas à nascença que se tornam inimigas? Quantas vezes veem o rapaz homossexual, branco, magro, histérico e fofoqueiro? Quantas vezes veem a mulher das limpezas, negra, pobre e obediente? Fruto desta mal representação, são estas imagens e perceções que ficam incutidas na nossa mente e que transparecem nas nossas atitudes.


É exatamente essa representação irrealista, distorcida e perversa que tem efeitos depreciativos em muitos indivíduos abrangidos por essa representação sem representatividade, desde uma falta de um sentimento de pertença, de inclusão e, ainda, o desenvolvimento de doenças como distúrbios alimentares, (não só, mas também) motivadas pelo facto de apenas se verem - generalizando - raparigas magras e rapazes musculados. Ou, por exemplo, o clareamento da pele numa tentativa de corresponder aos padrões de beleza que a sociedade nos impõe. A criação de estereótipos podres, cada vez mais enraizados e com uma fundação tão sólida que tornaram árduo (mas possível) desenterrá-los por completo. O surgimento de um efeito dominó, sendo que essa representação infiel por parte dos media força a que as expectativas, esperanças e sonhos das crianças se encolham, normalizando preconceitos e rejeitando a realidade; acompanhando-as ao longo do seu crescimento. Enfim…, mas quem sou eu? Não tenho qualquer formação nesta área, apenas dois olhos e um coração.


Acredito que a representatividade efetivamente contribui para a construção da identidade e do autoconhecimento. Confere poder de autodeterminação, faz com que acreditem que têm potencial, motiva a confiança. Ajuda a sentirem-se compreendidos/as. Incentiva a um diálogo aberto sobre os seus problemas. Combate a discriminação. Quanto é que isso não vale?


Quando programas cheios de conteúdo fútil, como a “Ex-periência”, contribuem para o reforço desses estereótipos, neste caso, de género e que possuem 0 representatividade, nomeadamente, queer e negra; nota-se a urgência da mesma em Portugal, como em muitos

países que ainda têm muito a percorrer. Quando vemos que as mulheres latinas ainda são percecionadas como donas de casa boazonas sem competências para “trabalhos sérios” e que personagens como a da Sofia Vergara em Modern Family contribuem para tal, é que finalmente percebemos a necessidade da inclusão da diversidade. Porém, felizmente, nos últimos anos, esta questão tem vindo a melhorar. São séries como HeartStopper, Ms.Marvel, Sex Education, Dear White People, The Fosters, Good Trouble e Love, Victor que, na minha opinião, têm contribuído para o virar da página deste paradigma. Algo que ainda é preciso aplaudir, apesar de não dever ser. Cada vez mais existe maior representatividade nas assembleias e parlamentos, e ainda bem, porque esta mudança é mais eficaz (através da aprovação de leis que conferem direitos ou estatutos que se revelam groundbreaking e exemplo para outros países) do que uma mudança de mentalidades, que, infelizmente, demora eternidades. Isto é, numa primeira instância, leis de paridade e quotas nos parlamentos e em empresas assegura que, pelo menos a curto prazo, exista alguma representatividade – embora parca – que poderá abrir asas a alguns avanços que, posteriormente, poderão resultar nessa tal viragem de arquétipo.


Claro que não se pode imputar tudo e todos pela gravidade deste problema; afinal, sem quaisquer candidatos LGBTQIA+, negros, ciganos, indígenas, muçulmanos, latinos, mestiços, etc., para a indústria de Hollywood, para cargos políticos, para as empresas, ou quando têm menos competências, não podemos apontar dedos aos diretores de casting, aos partidos políticos e aos diretores das empresas – é uma questão de escolha dentro dos possíveis candidatos, claro, quando não é exequível a procura. A ideia de contratar/escolher pessoas exclusivamente para aumentar a diversidade na empresa, por exemplo, não se afigura eficaz porque deturpa o objetivo da representatividade e configura um sentimento de hipocrisia perante a entidade em questão. Mas é nos casos em que têm mais competências que as empresas, que os partidos políticos e que os diretores de casting devem atuar, deixando os preconceitos fora da sala de decisão e escolhendo realmente quem tem mais capacidades.


Para além disso, as estruturas de poder dos media devem reconhecer o papel que têm nesta perpetuação do ciclo da discriminação e em todas as camadas que esta pode revestir, de forma a tomarem uma diferente abordagem em relação a todo este problema. Não que isso seja o suprassumo medicamento, claro, mas indubitavelmente ajudaria.


Para terminar, proponho que cada um de vós, no vosso quotidiano, se questione acerca dos vossos preconceitos, suas origens e soluções, quer a curto quer a longo prazo, porque, a meu ver, é esse constante questionamento que fará com que as atitudes e os agentes da mudança efetivamente façam a mudança.



NOTA DO AUTOR

Com a elaboração deste texto apenas pretendo consciencializar o quão importante é a fiel  representatividade porque influencia as nossas atitudes, comportamentos, viés e preconceitos. Não  pretendo ferir quaisquer suscetibilidades das minorias, aliás, pretendia dar voz às mesmas e propor  possíveis soluções relativamente a esta questão, após demonstrar o meu ponto de vista. 


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