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Isabel Costa

A realidade do Direito


Chegada ao fim do primeiro ano do curso em que sempre quis ingressar, deparei-me com uma triste realidade: os estudantes estão a perder o seu idealismo, a sua esperança, a sua luz…





Sejamos honestos, pelo menos aqui e hoje, eu serei; muitos de nós, como eu, entram neste curso pela sua paixão pela justiça, pelo seu sentimento de indignação perante as injustiças verificadas no mundo e porque querem melhorar isso; a certo ponto todos queremos, e acreditamos que podemos, mudar o mundo; queremos ser o próximo Nelson Mandela ou o próximo Harvey Milk, queremos ser a pessoa que não se resignou, aquela que lutou até ao fim e fez a diferença – todos queremos o nosso momento Brown vs. The Board of Education or Roe vs. Wade; queremos alterar a ordem vigente e atingir a igualdade. No entanto, entramos no edifício da “elite intelectual” e encontramos muita indiferença e muito elitismo e, no fundo, o que nos resta é um sentimento de impotência. Se calhar tudo com que sonhamos foi exatamente isso: apenas um sonho. Um idealismo infantil, um grito revolucionário dos anos da adolescência, que de nada serve contra o mundo burocrático e corporativo com que nos deparamos. Se calhar já ninguém quer discutir tudo o que ainda falta alcançar, mas sim quão monetariamente irrelevantes essas questões são; esse é o trabalho que não dá dinheiro, sem dinheiro não podemos viver, sem dinheiro de nada serve um curso universitário, sem dinheiro não temos nem podemos fazer nada; pois, sem direitos, os outros também não.


Assim, após 10 meses do curso que eu achava que ia mudar a minha vida, ela, de facto, mudou; está agora emergida num mundo fútil de discussão sobre as melhores firmas, onde um estágio seria o jackpot académico, porque “só assim terás um bom salário” (não me tenham por hipócrita, eu também entendo que é assim que funciona), num mundo em que Direito da Família não diz respeito à necessidade de proteger as crianças, mas sim dos fundos exorbitantes que a resolução de um litígio de divórcio pode proporcionar, um mundo em que até o imposto progressivo é discutível, porque nem sempre é justo para quem tem mais dinheiro. Este mundo engoliu-me, como engole a muitos, e é triste passar a ver vidas como cifrões e, mesmo que seja apenas por um segundo mínimo antes da racionalidade nos atingir, não o podemos negar. Somos sugados pela ganância e perdidos no meio dela, vemos como toda a justiça funciona e não piamos, pois sabemos que, só por aqui estarmos, estamos num ponto de privilégio. Mas temos que subir à superfície e lembrarmo-nos que é por estarmos nesta posição que podemos e devemos piar; é esta posição que faz as nossas vozes valerem algo; mesmo que pareçam mínimas no meio de todas as outras e completamente insignificantes perante a doutrina (muito unilateral) que nos absorve, é sempre superior à de quem está de fora. É por vermos, por dentro, como isto tudo funciona que podemos agir, que sabemos como agir. Não percamos o idealismo que ainda vibra dentro de nós, não nos resignemos, não apaguemos aquela chama que se acende sempre que vemos a justiça vencer.


Por muito que pareça que este lado leva apenas a um voto de pobreza, pois não é o alvo das grandes firmas, há tantas coisas que é possível fazer, há tantos lados por onde começar e há tanto a exercer. O mundo tem inúmeras vertentes e nenhuma delas está minimamente aperfeiçoada, há, sem dúvida, algo para todos os gostos, mas só há um caminho possível: o da evolução conjunta em sociedade e esta só evolui se for melhor para todos. Não existe evolução unilateral, não existe evolução de 20% com o detrimento das condições dos outros 80%, não existe evolução se a maioria continua estagnada, ou, pelo menos, não deveria existir. Não digo que devemos todos viver mal para não existirem injustiças e desigualdades, digo exatamente o oposto, que devemos trabalhar para que todos possam viver um pouco melhor; as injustiças estão cá, não vale a pena negá-las, nem as glorificar. Sim, certas pessoas trabalharam muito para viver mais confortavelmente, isso está tudo certo e não podem de forma nenhuma ser prejudicadas pelo seu esforço, mas tem que existir um outro esforço para garantir que todos conseguem atingir esse patamar. A ideia base não é impedir ninguém de chegar a certo patamar, mas sim trabalhar para que todos tenham oportunidade de lá chegar. Nós não podemos determinar quem ganha a lotaria natural ou social, mas podemos lutar para que todos consigam comprar o bilhete.


Por isso, sim, o mundo do direito mostrou-me uma realidade um pouco infeliz, com indiferença e ganância, mas também me mostrou o que eu sempre senti: que, independentemente do funcionamento atual desta área, os problemas continuam aqui, cada vez mais sentidos e cada vez mais reportados até, e continuam a ter que ser combatidos e nós temos as ferramentas para o fazer. Daqui a uns anos, nós seremos a linha da frente da justiça (e talvez da Política, considerando a quantidade de juristas no Governo e no Parlamento) e nós escolhemos em que direção a pretendemos levar. Não é altura de perder a esperança, mesmo que seja difícil com tudo o que vemos a acontecer nos bastidores, é altura de erguer as nossas vozes num grito conjunto e perceber que, mesmo que seja navegar contra a corrente, queremos fazer algo que nos orgulhe. Queremos ser a geração de juristas que não se conformou com o elitismo da área e que não cruzou os braços, a que “saiu à rua” quando era necessário, e combateu um mundo que só funciona para alguns.


Enfim, acho que o que quero realmente dizer é que nunca devem perder o vosso idealismo, é o que vos faz mexer, é o que vos faz acordar de manhã e aguentar mais uma época de exame e é, essencialmente, o que vos fará mudar o mundo…. Gozamos diariamente com o slogan da nossa faculdade “Sê um agente da mudança”, mas não é mentira, nós temos a capacidade para o ser nos nossos moldes. Nós temos, e teremos ainda mais, o poder para tomar as decisões que alteram a ordem vigente, se assistirmos às grandes ruturas positivas (a meu ver) que decorreram ao longo da História, elas foram executadas por juristas (ou juristas de alma), estas consolidações ocorreram em tribunais ou em parlamentos, depois de serem reivindicadas nas ruas, claro. Nós temos sim o poder para mudar o mundo e temos o conhecimento para o fazer, por isso, não deixemos todo este conhecimento ser desperdiçado em disputas fúteis ou injustas, e apliquemo-lo à mudança que queremos ver no mundo. O futuro é já amanhã e todos os dias há algo que pode ser feito; atualmente o nosso papel é estudar, o que já de si é um grande privilégio, para que futuramente consigamos usar tudo isto para atingir avanços nas condições sociais globais, para que mais ninguém tenha que desistir dos seus próprios sonhos e para que mais ninguém se sinta inferior num mundo em que somos todos iguais.



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