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João Maria Botelho

A resistência do feminismo e a justiça da exclusão

A discriminação no mundo jurídico é uma questão significativa que tem atraído a atenção de vários estudiosos do direito, profissionais e de vários decisores políticos.


Apesar do amplo e crescente reconhecimento do problema, a discriminação nas profissões jurídicas continua a ser um problema persistente em muitos estados, incluindo o português. Como é de common sense a discriminação pode assumir múltiplas formas, incluindo etnia, sexo, orientação sexual, idade e incapacidade(s), e pode ocorrer em várias fases de uma qualquer carreira jurídica, ou outra, desde o recrutamento até à promoção, progressão numa carreira e atribuição de novas funções.


Neste texto, centrar-me-ei na discriminação contra as mulheres nas profissões jurídicas em Portugal, tentando tocar nos vários factores que contribuem para a discriminação de género e o impacto de tal discriminação nestas profissões.


Especificamente, irei analisar o papel dos estereótipos e preconceitos de género normas culturais, práticas e políticas institucionais na perpetuação da discriminação de género na profissão jurídica. Irei também tocar aqui e ali formas como a discriminação de género limita as oportunidades de avanço das mulheres e mina a diversidade e inclusividade das profissões jurídicas.


Com está análise, espero lançar alguma luz sobre a prevalência da discriminação de género no mundo jurídico em Portugal, bem como oferecer recomendações de como abordar esta questão tão crítica.


Uma vez identificadas as causas profundas da discriminação de género, (que não terei tempo de fazer na economia desta pequena apresentação) e propondo eventuais soluções baseadas em provas, poderemos trabalhar no sentido de tornar as profissões jurídicas mais inclusivas, diversificadas e equitativas.


A questão da discriminação de género no domínio jurídico em Portugal está intimamente ligada à questão mais vasta do todo da desigualdade de género e aos desafios enfrentados pelas mulheres na sociedade de forma mais ampla. Apesar dos progressos significativos registados nas últimas décadas, as mulheres em Portugal continuam a enfrentar barreiras a uma plena igualdade, incluindo no local de trabalho. Isto abrange, claro, o mundo da advocacia, que registou um aumento significativo do número de mulheres que entraram neste campo nos últimos anos.


Ter-se-á este movimento diretamente refletido em práticas concretas? Não! A crescente feminização dos contingentes que tem acedido cada vez mais a profissões jurídicas, na prática não se traduziu, em boa verdade, numa maior igualdade de género.


As mulheres a trabalhar em profissões jurídicas em Portugal continuam a enfrentar barreiras significativas, muitas vezes “de vidro” à sua progressão, e a sofrer discriminação de género em múltiplas fases das suas carreiras. Isto levou a uma proatividade crescente dentro dos movimentos feministas em Portugal, onde as mulheres aceleram no defender de uma maior representação e inclusão e a desafiar as barreiras sistémicas e culturais que continuam a limitar as suas oportunidades de progressão.


“A justiça da exclusão” é um fenómeno particularmente prevalecente nos escritórios de advogados, onde as mulheres e alguns grupos tidos como marginais vêm-se frequentemente subalternizados em posições de poder e influência. Isto tem tido um impacto significativo no que toca tanto a diversidade como inclusividade nesta profissão. É essencial que a lei reflita as necessidades e interesses de todos os membros da sociedade.


Este fenómeno, como disse, não se aplica apenas às mulheres. Repetindo, a discriminação, discriminação no mundo jurídico inclui etnia, orientação sexual, idade e incapacidades. Os membros destes grupos podem enfrentar – e muitas vezes enfrentam - discriminação na contratação, promoção, e outros aspectos das suas carreiras. Normas sociais e culturais, sublinho, podem também contribuir para a discriminação, perpetuando estereótipos e preconceitos.


Creio que para combater a discriminação em profissões jurídicas é fundamental implementar políticas e práticas que promovam a diversidade e a inclusão, destes agrupamentos.


Tal pode incluir medidas como o combate a uma cristalização de preconceitos – muitas vezes inconsciente- fomento de iniciativas positivas de contratação (positive discrimination) de diversidade, e programas de mentoria e trabalho em rede para grupos sub-representados. É também crucial levar a cabo práticas e políticas institucionais que possam estancar o avanço de certos grupos nas várias profissões jurídicas, porventura criando mecanismos de discriminação positiva que equilibre a composição destes.


As mulheres, a discriminação e equidade


Após assistir ao simpósio que contou com a presença da Professora Helena Pereira de Melo e empreender alguma investigação pude iluminar o facto de que ainda hoje as mulheres enfrentam obstáculos significativos nas profissões jurídicas. Insisto, mexendo nos preconceitos e estereótipos implícitos, na falta de acesso equitativo a posições de liderança, e na discriminação em decisões de em bónus e outras compensações e promoções.


Mais chocante ainda, sabemos que as mulheres nas profissões jurídicas são também mais susceptíveis do que os homens em sofrer assédio sexual e discriminação. Muitas vezes tal e feito com base em argumentos economicistas - como a gravidez e as responsabilidades familiares. Questões que não prejudicam os homens, mas que devem por razões que julgo óbvias, apesar de existentes diferenças há que garantir, la onde é possível, alguma equidade.


A situação existente gera problemas sérios. O impacto da discriminação de género nas mulheres que exercem as profissões jurídicas é significativo. Isto leva a vários cenários infelizes. As mulheres são bem mais propensas a abandonar a profissão mais cedo do que os homens devido às discriminações que estão sujeitas, e frequentemente enfrentam disparidades salariais significativas em comparação com os seus homólogos masculinos. A discriminação, sabemos, limita as oportunidades de progressão das mulheres, tornando-lhes mais difíceis de alcançar posições de liderança ou de efectuar mudanças significativas no âmbito das profissões jurídicas.


Com a finalidade de atingir este objetivo, há que reconhecer a importância de ir denunciando os estereótipos e preconceitos de género, fomentar políticas e práticas que apoiem o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal por um lado, e por outro o desenvolvimento na carreira. Criando uma cultura de inclusividade e respeito. O que requer colaboração e envolvimento de toda a comunidade jurídica, incluindo estudiosos do direito, profissionais, decisores políticos e organizações da sociedade civil.


Visão constitucional


A discriminação das mulheres no mundo jurídico português, não viola apenas preceitos e valores socialmente reconhecidos num estado de direito. Viola, também, vários artigos da Constituição da República Portuguesa (CRP), que garantem a igualdade entre homens e mulheres em todos os domínios da vida pública e privada – direitos constitucionais esses que muitas vezes infelizmente não são cumpridos.


Em primeiro lugar, o artigo 9.º da CRP estabelece que "incumbe ao Estado promover a igualdade entre homens e mulheres", incluindo no acesso ao emprego e na igualdade de remuneração pelo mesmo trabalho. A discriminação de mulheres no mundo jurídico português também viola este princípio, uma vez que as mulheres muitas vezes enfrentam obstáculos ao acesso a posições de liderança e são remuneradas de forma desigual em relativamente aos colegas do sexo masculino.


Para além disso, o artigo 13.º da CRP estabelece que "todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei", sem mencionar a distinção de género, visto tomar como tácito que a dignidade social e igualdade perante a lei a implicam. Sublinhe-se a alto e bom som: discriminação de mulheres no mundo jurídico português viola este princípio fundamental da igualdade, uma vez que dificulta às mulheres o acesso a posições de poder e influência e as limita também a oportunidades de carreira deste setor.


Importante é também o artigo 26.º da CRP, que estabelece o direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional. A discriminação de mulheres no mundo jurídico português pode impedi-las de aceder à justiça e à tutela jurisdicional em igualdade de condições com os homens. A falta, falta de representação e influência feminina pode resultar em decisões judiciais desiguais e por isso injustas.


Vale a pena, igualmente, mencionar que o artigo 59.º da CRP garante a liberdade de escolha de profissão e o direito ao trabalho. A discriminação de mulheres no mundo jurídico português pode impedir as mulheres de exercerem a sua profissão escolhida em igualdade de condições com as dos homens. O que viola este princípio fundamental da liberdade de escolha de profissão e do direito ao trabalho que o artigo plasma.


Final remarks


Numa última análise, as profissões jurídicas têm um papel diacrítico a desempenhar na progressão da igualdade de género e por essa via na da justiça social em Portugal. Ao reconhecer e abordar os desafios da discriminação de género em profissões jurídicas, podemos transformar o nosso sistema jurídico num mais justo e equitativo para todos. Num novo sistema no qual todos têm a oportunidade de ter sucesso e de contribuir para o avanço do Estado de direito e dos direitos humanos.




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