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Rafael Guerra

Amante

Acho que sou um mau namorado. Certamente serei. Deixo demasiadas coisas por dizer. Deixo sempre as palavras pela metade; há sempre um rastro de silêncio imperscrutável que caem de todas as palavras com que te escrevo (com que te beijo, com que te toco) – mas ainda assim penso que o que te digo se amontoa amiúde para sentires esta montanha vertiginosa de emoções que guardo em mim; esta montanha irrecuperável de silêncio enamorado. Se as palavras alguma vez pudessem dizer algo, talvez rogasse para que nunca desistisses de me escalar; talvez te suplicasse para nunca te desapaixonares pelas cores do meu silêncio.


Bem vistas as coisas, talvez sejam as palavras que são más. Mas se é das palavras que somos feitos, talvez esteja condenado a ser um mau namorado – um namorado que fica sempre pela metade.


Talvez eu não queira ser das palavras – penso que não é com as palavras que eu te amo; eu amo-te apesar delas. Eu amo-te com as mãos (as que te escrevem isto; as que mergulham amedrontadas na obscuridade do quarto [das palavras] à tua procura); eu amo-te antes de o dizer; eu amo-te antes de pensar; eu amo-te porque sou – porque és. Eu não tenho jeito nenhum para ser um namorado. O amor dos namorados é estéril – porque, no fundo, é tudo o que eles têm, o amor, que tentam a todo o custo fixar, prender, instituir (e o que institui mais que a palavra?). Eu desenho o teu nome na minha pele todos os dias, e ela apaga-a todos os dias – porque todos os dias tu és diferente; e todos os dias eu me apaixono por ti. Todos os dias as palavras que te descrevem são diferentes, e é talvez por isso que desisti de as tentar agarrar; de TE tentar agarrar – aprendi contigo que a melhor maneira de prender um espírito é libertando-o. Despe-me as roupas e coloca-nos à frente do espelho. Abre-me o peito ao céu e aprisiona os meus olhos à liberdade das tuas mãos – para o mundo somos iguais. Ou melhor: para o mundo EU sou igual a ti.


Nunca serei um bom marido. Talvez porque não o queira ser nunca. Eu quero ser o teu amante – a pessoa para sempre situada fora da instituição; da realidade mumificada. O teu certo para sempre errado. O imprevisível. O livre. O verdadeiro. Aquilo que somos. Aprendi contigo que o verdadeiro amor nunca poderá vir das palavras, do conforto. Do conforto das palavras. O verdadeiro amor é o que quer que nós façamos dele. É o que a tua pele nua contra a minha desejar no momento. É o que os rasgos tresloucados da nossa paixão nos fizerem fazer em cada instante. O verdadeiro amor é tendencialmente perigoso – e eu aprendi contigo a não ter medo de arriscar. Aprendi contigo a ver no erro o epicentro da liberdade. Aprendi contigo a ver no interdito o espaço privilegiado da natureza pecaminosa do meu ser, e a não ter vergonha disso. Aprendi contigo a ser um mau namorado.


Nunca alguma vez irei querer ser teu namorado ou teu marido. Eu serei para sempre o teu amante (lover, amant, amante, liebhaber).


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