top of page
Anónimo

ansiedade do ser e do estar

Coração, pára de bater. Peço-te. Imploro-te. Parece uma bomba-relógio. Tique-taque-tique-taque-tique-taque-tique-taque. Explodirás algum dia? O meu corpo não aguenta o barulho que fazes. Pim-pum-pim-pum. Queres gritar, abrir-me um buraco no peito, esventrar-me até às entranhas.


O estômago faz o mesmo. Dói-me tudo. Posso abdicar de ter órgãos? Quero abdicar do ser e do estar, da burocracia de respirar, que por si só já se começa a revelar uma tarefa pesada. Não aguento, tenho a boca seca, tenho de beber água. Pego na garrafa, está vazia, foda-se. Tenho dentro de mim toda a maquinaria existente, trabalha vinte e quatro horas sem parar sem qualquer manutenção de tal maneira que Álvaro de Campos olharia para mim e exclamaria todas as onomatopeias que o seu vocabulário alguma vez poderia encontrar. Pulmões, tenho pulmões, tenho mais pulmões do que aqueles que se aprende em anatomia. Ou o raio que a parta.


Ansiedade que vive dentro de mim como um feto que nunca nascerá, cala-te. Não aguento tal, mas tenho de escrever, escreve escreve escreve. Só um exorcismo resolveria isto. Mas provavelmente nem Satanás alguma vez viu alguma coisa assim. Tenho mensagens para receber, jantares para ir, planos para ir, matéria para estudar, sítios onde tenho de estar, não te atrases, vai, não vás, mas se não fores sentes-te mal. Ainda me dói o estômago. Quero ir à sanita vomitar os meus pesadelos, até querer continuar a vomitar mas não ter absolutamente nada empírico, físico, palpável no estômago.


As horas passam, viras e reviras na cama, não vais adormecer, são duas da manhã e não vais adormecer e amanhã vais sobreviver à base da má vontade e do café e dormir é uma tarefa tão difícil porquê? É só fechar os olhos, fecha os olhos, não te mexas, pode ser que adormeças, mas já passou uma vida inteira e tu nem dormir consegues. Três quatro cinco da manhã, vírgulas para quê, se estás preso no teu próprio ser? Mas também não sou Saramago para ter a pretensiosidade de não usar vírgulas. De quem me fui lembrar. Se Saramago ainda caminhasse neste planeta, dir-lhe-ia que gostei do Ano da Morte, pedir-lhe-ia desculpa pela ignorância dos bonecos que nunca se deram ao trabalho de ler um dos seus livros, jurar-lhe-ia ler tudo o que ele escreveu até morrer.


A psicóloga perguntou por aquilo que mais me incomoda. E eu respondi: a mim incomoda não ser omnipotente para poder fazer ler ver saber tudo. E ela esbugalhou os bonitos olhos verdes. Não ouvi o que disse a seguir. Mas sei que ela esbugalhou os bonitos olhos verdes, (mataria para ter nascido com eles), e suspirou. E eu, dentro da minha cabeça confusa, lembro-me de pensar que ela me mandou mentalmente à merda.


57 views

Recent Posts

See All

Lápide

Comments


bottom of page