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Maria Leonor Simão

Bolachas que não cabem no pacote

Há de tudo um pouco em tudo quanto é lado. Por isso, vão-me perdoar pela generalização abusiva que vou fazer, mas que tem mesmo de ser feita por uma questão de honestidade literária: estudantes da NOVA School of Law são estudantes trabalhadores, exigentes, perfecionistas, e que – talvez mais do que muitos estudantes de outros mundos e fundos – estão habituados a ser os melhores, porque o foram a vida toda.


Ora, não será portanto de estranhar que, juntando as últimas bolachas dos pacotes numa só tigela, elas tenham mais dificuldade em destacar-se – há tantas, e tão boas, por onde escolher, que qualquer criança que se preze teria dificuldade em decidir qual quereria guardar para o final do seu lanchinho.


É por isso que eu acho curioso que, no meio daquilo que deveria ser uma batatada constante entre galinhos e galões de capoeira, eu encontre – e dirão que sou uma romântica, e talvez seja, e talvez o meu idealismo me tolde a visão, e daí – entreajuda, cuidado e, acima de tudo, amizade. Não nos enganemos ao pensar que é assim entre todos. Não é. E continua a existir, como existirá sempre, uma pressão constante de subir até ao topo, apenas para chegarmos lá acima e percebermos que, afinal, a vista não seria assim tão bonita, e a queda seria tão grande que nos deixaria paralisados – se nos mexêssemos, rebolaríamos até cá abaixo. Continua a existir o melhor, e o máximo, adjetivos dourados que trazem penduradas em si menoridades como a exaustão total, a falta de sanidade mental, e o querer subir a escada a pisar cabeças nos degraus. Continuam a existir consciências pesadas e horas perdidas, e corridas às tabelas para ver os números redondinhos e brilhantes que nos reduzem a notas. E é porque tudo isso existe, e tudo isso tem o seu quê de triste, que eu me sinto uma sortuda.


Sinto-me uma sortuda porque encontrei estudantes na NOVA School of Law que são trabalhadores, perfecionistas, e que estão habituados a ser os melhores, sim; e que, por obra e graça, quem sabe, de si mesmos, ainda têm espaço no seu íntimo para quererem mudar o mundo. E não, não falo de ir trabalhar para a ONU ou de ser um grande diplomata. Falo de mudanças do mundo que começam connosco, entre nós. Mudanças que começam quando alguém pega num núcleo como o Jur.nal e o revoluciona, o vira de cabeça para baixo, e nos faz perceber a todos que o mundo ao contrário é muito mais bonito (sim, Direção, são vocês que mudam o mundo). Mudanças que acontecem quando alguém se oferece para nos mandar apontamentos ou passa horas em chamada a tirar-nos dúvidas. Ou quando alguém vê o cansaço nos nossos olhos e nos diz “deixa estar, eu faço isso” sem pedir nada em troca. Mudar o mundo é encher o anfiteatro no dia do Martelo, e encher a reitoria no dia do Animus. E é trazer garrafões de casa para escorregar na lona. E é dar um chupa-chupa a alguém que precisa de se animar. E é desejar a alguém um “boa sorte” genuíno antes de um exame. É fazer companhia no caminho até ao metro, e é ouvir antes de querer falar. Mudar o mundo é tirar um tempinho da nossa corrida desenfreada pelos adjetivos dourados para rirmos com os nossos amigos. É pararmos durante uns minutos para nos lembrarmos de que depois de quatro anos, vamos às nossas vidas e 90% da nossa competição – dos nomes brilhantes das tabelas – nunca mais se vai cruzar connosco. E que isso significa que, no fim do dia, estávamos a competir com fantasmas, em vez de apreciarmos as pessoas reais, que só temos – realmente, genuinamente – durante uns míseros quatro anos. Depois disso, a vida mete-se no caminho e expulsa-nos das paredes da faculdade que nós tornámos um pouquinho mais nossas a cada dia. Depois disso, só há saudade. Eu paro muitas vezes para pensar em como essas paredes nunca estiveram tão bonitas como agora; em como essa beleza é tão efémera, porque se vai quando os artistas que mudam o mundo – as pessoas que eu admiro ao longe e ao perto – se forem também. Nesses momentos faço muita força para que, quem venha, também queira mudar o mundo. Esse é o paradigma que eu espero que nunca mude por aqui.


JÁ ESTÁ A MUDAR, dizem eles. Oh não, eles não sabem que mudar o mundo não é só ir para a ONU ou ser um bom diplomata. Eles não sabem que se muda o mundo só com um abraço. Eles não sabem que ser melhor não é ter o cargo mais cobiçado. Eles não sabem que ser melhor é uma arte, porque não nasceram artistas. Eles não sabem. ACORDEM MALTA, SER ARTISTA É BUÉ FIXE. Queiram ser artistas, caraças. Queiram fazer arte com as paredes da nossa faculdade. Queiram olhar mais para a pessoa ao vosso lado do que para o papel à vossa frente. Guardem isso para quando as pessoas ao vosso lado forem desconhecidas e o papel for o vosso melhor amigo. Mas agora não. Agora sejam artistas e mudem o mundo, porra.


Eu não estou preocupada – sim, pareço. Mas não estou. Há de tudo um pouco em tudo quanto é lado. E na nossa faculdade há de tudo um pouco, mas há muito de humanidade – eu que o diga, que já o experienciei em primeira mão, mais vezes do que as que as minhas mãos conseguem contar (sorte, sorte, sorte). Na nossa faculdade, há pessoas enormes. Bolachas que nem sequer cabem nos pacotes. Pessoas que escolhem não andar à batatada, e que partilham a vista de lá de cima sem pisar cabeças para subir. Salvadores do mundo em quem se pode confiar de olhos fechados e que encontram na faculdade muito mais do que um curso – encontram paredes e fazem delas arte. Enquanto existirem pessoas assim, eu não estou preocupada. Acho que a NOVA School of Law ficará bem, mesmo que a média do último colocado desça, e mesmo que a rega do relvado dispare com pessoas lá sentadas, e mesmo que não haja cartões de estudante. Acho que a nossa faculdade ficará bem, desde que tenha o melhor de nós.


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