Procurei por ti no dicionário. Significas “purificação emocional” ou “purificação das almas através de uma descarga emocional”. Tão puro, tão banal, tão ridículo. Acrescentei-te a arte ao nome e fiz de ti a minha caixa de Pandora.
[Estou a mentir. Aristóteles encontrou-a muito antes de mim, definiu-a como “a libertação das emoções através da tragédia” e escravizou Édipo como prova. Shakespeare seguiu-lhe os exemplos e matou Romeu e Julieta, na tentativa de causar todo um exorcismo coletivo na Humanidade].
É como se houvesse constantemente algo dentro de mim que não quer falar nem calar, não quer traduzir, não quer sair. E basta uma aparição tua, por muito curta ou ténue que seja, para esse algo abstrato passar a ser real.
Seria justo personificar-te. Mais do que justo. Dizer-te que tu e a vida são um só. Sim, seria justo.
És das criações mais puras de Deus, és o filho da intervenção divina, és império, igreja, mesquita, capela.
[A catarse religiosa define-se como a libertação de todos os pecados e a comunhão com Deus. Confesso que a minha veia anti-Cristo pensa que é um conceito de propaganda religiosa]
Existes na religião, na literatura, na música e em tudo o que há de puro e de impuro. Não existe catarse sem arte, nem existe arte sem catarse. Deus faz o Homem, o Homem faz a Arte, a Arte faz a Vida.
Pergunto-me se serás tudo o que tenho - tu e a depressão artística que anda de mão dada contigo. Não existem traduções suficientes para ti - longe de mim pensar que sei traduzir o que quer que seja. Mas, se mo permitires fazê-lo, definir-te-ei assim: és apocalipse e rendição, destróis e aniquilas enquanto eu assisto e digo “quero mais”. És a fuga e tortura de quem sente e o sonho de quem não sente. Faremos da vida a nossa divina comédia, inventaremos o inferno, o purgatório e o paraíso, como Dante assim quis.
Arruinaste-me a vida. E ainda assim dedico-a a ti.
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