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Maria Leonor Baptista

Comparação

Pensava ser melhor. Não necessariamente num jogo de invejas e ilusões, mas numa comparação obtusa das partes. Em que é ela contra si própria, numa espécie de neblina, em que sente estar a lutar contra algo, que na verdade não é nada mais do que o seu próprio ego. Ego ferido e cansado, por uma série de infortúnios a que a si própria se sujeita. Tenta dizer que vai ser diferente, que vai ser menos dura consigo própria, que não vai bater naquela mesma porta que sabe que não se abrirá jamais, mas o que diz é em vão.

São bons demais para quererem estar à sua volta, bonitas o suficiente para que ela se sinta menosprezada, sociáveis demais para que ela sinta ser acessório ou um mero engano que a abordem, que queiram conversar consigo. É particular esta dúvida sobre o interesse em si. Sobre se será genuíno ou bem intencionado. Porque se a vissem como ela se vê, quando está sozinha consigo própria, não iriam querer vê-la, de todo, não poderiam querer. A dúvida paira como uma nuvem e cega-a. Desorienta os seus movimentos. Vai ser a amiga engraçada, que fala menos, que veste um tom mais escuro e que apanha o cabelo discretamente.

Não era a primeira a ser abordada, nem a mais alta, nem a mais loira. Não podia ser a protagonista, pelas medidas da sua cintura. É mais uma batalha, não vencida. Porque a protagonista não é de todas as personagens. E o controlo da sua vida há muito que não lhe pertence. Não sem uns quantos comprimidos para dormir, e uns dias em que a dormência não lhe permite levantar-se para comer, ou para se vestir.

Acha que se perdeu, mas as pessoas à sua volta não notam, parece confortável naquele barulho interrupto, cujo tema não lhe diz respeito… afinal quem é que está realmente a prestar-lhe atenção? O som do seu nome saído de uma boca não familiar soa vazio. Ele não poderia saber da sua existência. Pior, será que saberá da sua infelicidade? Será que ouve os passos dela no corredor e percebe as pequenas respirações aceleradas quando sai à pressa para que não tenham tempo de a abordar? Será que já notou quando ela tentou falar e desistiu da frase? Da frase que desistiu por não ser importante ou por ter medo, simplesmente, de que fosse importante e que os outros olhassem para ela, nem que fosse por um breve momento. De qualquer modo, não a poderiam ver. Pelos olhos dela, nunca o quereriam fazer.

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