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Inês Fonseca

Em Amora era tudo mais fácil

deixas-me perder na tua tempestade

em mares perigosos

em pequenos copos

cambalhotas no sofá


a medo, saio na tua paragem

é-me mais familiar

o gato de rua cumprimenta-me

vejo as árvores e flores ao andar


ofereço-te ponto de desembarque

estrada para ponto morto

gotas de baunilha na massa do bolo

agulha e linha para a bainha das calças


deixo que saltes na poça enlameada

que me descubras sempre nas escondidas

que trauteies a tua melodia favorita

e que te surpreendas sempre que a completar


sol que derrete os teus fios de caramelo

cócegas no nariz, café a 45 cêntimos

chávena de chá preto

maço de tabaco no bolso de trás


ergues aos sete céus o garfo de quatro pontas

da minha casa à tua são três morangos

e de mim a ti são duas romãs

e eu aceito que me alimentes à colher


deposita no mapa as tuas palavras

mostra que não precisas de escalas

que a tua régua se mede às frutas

contornando as formigas que se aproximam


evito dizer as palavras concretas

“ia embora e era tudo mais fácil”

corrijo a banda, alinho as nuvens no céu

“em Amora era tudo mais fácil”


lábios pintados de framboesas

camisolas tricotadas de bolachas

restos da tua presença

enfim, pestanas alagadas


caneta que nunca foi tua

sala de espera do escritor

abandono do banco de jardim

escuridão lateral no mindinho direito 


praga dos deuses do olimpo

absolvição dos átomos da madeira

destruição da lenga-lenga

do resumo de paixões a figos secos


candelabro que se funde

acima da minha cabeça

desvio de olhar inerte

toca e foge do teu perfume


panos húmidos empregues

cacos de vidro espremidos na pele

pegadas das tuas mãos nas minhas

água que ainda ferve para o teu chá


ofereces-me fósforos

imploras para que ateie fogo

à única casa que conheceste

prevejo queimaduras nos braços


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