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Rita Esteves

Em ti eu (já não) penso

Hoje escrevo, mais do que nunca escrevo, escrevo enquanto te olho nos olhos, escrevo-te por uma última vez, a ti, que por mim nunca escreveste.


A ti invejo. Invejo a tua indiferença. Invejo a tua calma. 


Gostava de ser como tu. Gostava de guardar estes sentimentos que tenho dentro de mim num congelador, ver as suas partículas esfriarem lentamente, ficarem imóveis, esquecidas durante o inverno.


Gostava que fosses menos importante, que brilhasses menos aos meus olhos, que pudesse passar por ti nas ruas de Lisboa e não te reconhecer, seguir o meu caminho sem olhar para trás.


Gosto da tua voz. Gostava de não gostar da tua voz. Gostava de não distinguir o teu timbre, as tuas expressões, especialmente o teu péssimo gosto musical.


Gostava de não gostar de ti. Gostava de te ter deixado com o calor do verão, ao sol, à beira da água, mas tive medo que te deixasses levar pelas ondas.


Mas agora as tuas palavras tocam na minha cabeça como uma sinfonia, são um portal para a realidade que torna difícil fugir à razão. Queria escapar, esconder-me atrás das minhas próprias fantasias com uma versão mais adornada de ti, mas é difícil continuar a desejar algo que não existe, é difícil aceitar aquilo que já conclui há muito tempo, que não quero admitir. Prefiro continuar a sonhar acordada com os dias de sol, e enfrentar a realidade enquanto durmo.


Quero que te vás embora, que te esqueças, que me deixes esquecer. Permite-me a ilusão de um final feliz à minha maneira. Deixa que a tua presença na minha vida passe a ser uma miragem do passado, uma brisa, um poema sem rima, e que todas as pequenas lembranças que deixaste para trás sejam apenas artefactos no meu baú de desilusões.


Quero te odiar. Quero te conseguir odiar. Quero sussurrar ao meu próprio ouvido repetidamente, incessantemente, que te odeio, gritá-lo a todos os que passem por mim e queiram ouvir o meu histerismo. 


Porque em ti eu já não penso, por ti eu já não procuro, e tudo isto que eu sinto, que trituro dentro da minha consciência, faz uma volta dentro de mim, revira-me as entranhas, aperta-me o coração, faz me suspirar. E no fim, só cai uma lágrima.


Rita Esteves

09/12/2023


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