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Francisco Jesus

Entrevista a Pedro Berjano de Oliveira


NOTA DO AUTOR:

“És Nova no meu coração, és Direito até ao fim”.


Isto nos diz a Juristuna, tuna da nossa faculdade, na música “Tens”, sempre que temos a felicidade de a ouvir. E claro, isto é tudo muito bonito, mas deixa em aberto uma questão: E depois do fim? O que fazemos depois de “gritar alegremente aos sete ventos Direito venci”?, como nos diz uma outra canção interpretada por este grupo.


Nesta coletânea de artigos, os nossos leitores vão encontrar uma de três entrevistas a ex-alunos de Direito.


A primeira entrevista é ao Árbitro do Tribunal Arbitral do Desporto, Pedro Berjano, que nos conta um pouco da área tão pouco explorada que é o Direito do Desporto.

Agora, para explicar no que consiste este projeto, passo a explicar o porquê de o realizar. Sempre fui uma criança muito ansiosa, sempre focada no presente, mas com muito medo do futuro e, portanto, sempre a tentar descobrir o que vinha depois, para que não me apanhasse de surpresa. Assim, não é de estranhar se dissesse que antes de ingressar nesta aventura que é a licenciatura, já sabia exatamente que disciplinas iria ter este semestre, como me iria deslocar para a faculdade, que material escolar precisava, como era o campus e a vida académica.


Como tal, redigi este artigo não só para os meus colegas finalistas, que irão ingressar no mercado de trabalho, e que querem saber o que lhes espera, mas também para satisfazer a minha criança interior e todos os leitores que tiveram uma parecida, sempre a dizer-lhes “Isto é bom, mas quero mais. Isto é giro, mas e a seguir?”.


Antes de começar efetivamente o trabalho jornalístico, queria agradecer a todos os entrevistados, por me terem recebido no seu local de trabalho e dedicado o seu tempo para nos dar a conhecer a sua vida profissional. Queria também agradecer ao Professor Luís Duarte de Almeida, pela oportunidade de fazer um trabalho como este, e por não deixar morrer a criatividade. Por fim, queria agradecer ao Jur.nal, jornal da NOVA School of Law, por me dar a plataforma necessária para que este artigo possa efetivamente ajudar alguém, e não ser apenas um projeto pessoal.



ENTREVISTA

Pedro Berjano de Oliveira, informações :

- Diretor de Serviços da Confederação do Desporto de Portugal

- Árbitro no Tribunal Arbitral do Desporto

- Professor de Direito do Desporto

- Advogado

- Treinador


Francisco de Jesus (FJ): Licenciou-se em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa. Como foi o curso? Consegue destacar algumas disciplinas que o marcaram?


Pedro Berjano (PB): A minha família não tinha condições para eu estudar, então tive de recorrer a bolsas e, portanto, tinha duas: uma da própria universidade e uma do concelho de Oeiras, onde vivia. E, portanto, isso acabou por marcar um bocadinho toda a experiência porque, se calhar, tornou as coisas um bocadinho diferentes do que seriam se não fosse essa a circunstância. Eu sempre valorizei muito as coisas fora da própria universidade, nunca fui um aluno de propriamente estudar muito. Quando digo as coisas fora da faculdade é, essencialmente, a parte desportiva, que sempre valorizei muito. Nunca gostei muito das borgas e por aí fora, e, portanto, a minha vida era muito relacionada com a universidade e com aquilo que eu vivia fora desta em termos desportivos.

A universidade era sagrada para mim. Não faltava a uma aula, estava sempre a absorver o máximo possível, escrevia tudo e mais alguma coisa daquilo que era dito pelos professores, tentava aplicar-me verdadeiramente e acho que isso acabou por fazer alguma diferença. Exatamente por isto que estou a dizer, o que me acabou por marcar mais foram aquelas cadeiras onde tinha professores que gostavam de discutir e gostavam de conversar sobre as coisas, e não aqueles que, por muito conhecidos que sejam, chegavam e abriam um código e, “Vamos ao Artigo 124.º, e aquilo que o artigo diz é isto, isto e isto” e pouco mais. Nunca achei tão fascinante. Acabou por ser muito a experiência muita das vezes ligada não só ao que era a matéria, mas também ao que era o professor. Isto para dizer que acabei por ter boas notas a algumas cadeiras, como Direitos Reais, Obrigações, Direito da Família, Penal, que não eram à partida cadeiras fáceis, e que acabaram por me correr bem porque tive professores que me puxavam mais.


FJ: A sua área sempre foi Direito do Desporto. Porquê esta área? Conte-nos um pouco sobre como é ser jurista neste ramo.


PB: Eu acho que, hoje em dia, nós temos uma franja muito grande de pessoas que vêm para o Direito pelos motivos errados. Acho que devemos começar por aquilo que temos dentro de nós, aquilo que verdadeiramente é o nosso drive, aquilo que gostamos, e depois ir à procura daquilo que nos poderá fazer felizes profissionalmente, e eu acho que há muitas pessoas que começam ao contrário, porque “se for para ali tenho a expectativa de ganhar muito dinheiro”, de ter uma carreira dentro de certo tipo de padrões, e, portanto, na minha opinião, deveria ser completamente ao contrário. Para mim, aquilo que fazia sentido era eu estar ligado à área que eu gosto, ao Desporto, e tentar compatibilizá-la com a outra área que eu também gostava, que era o Direito. O meu caminho foi descoberto de dentro para fora, independentemente da altura, e estamos a falar do início dos anos 90, não se falava praticamente desta área. Não obstante, para mim fazia sentido, porque era o meu sentimento que me levava a isto mais do que uma decisão racional.

Porquê o Direito do Desporto? Na altura tinha ainda esse fascínio extra por ser muito difícil, por não haver praticamente nada, e, portanto, ainda mais interessante, na minha opinião, era eu poder trabalhar e tentar desbravar um caminho, por muito difícil que fosse, que não era um caminho trilhado. O Direito do Desporto acabou por, lá está, me permitir começar a desatar nós e começar a perceber coisas que eu vivia no dia-a-dia desportivo, fosse como dirigente desportivo, fosse como atleta, fosse como treinador, e as coisas começaram a fazer sentido.


O que é que faz um jurista ligado ao Direito do Desporto? Os campos são muitos de atuação. Podes ter uma área relacionada com, imagine, contratos profissionais da área do desporto, sejam treinadores, sejam jogadores; patrocínios e direitos de imagem associados; a nível das federações, pode falar de processos de utilidade pública desportiva, de processos de utilidade pública simples, da própria estrutura e organização dentro da federação, a nível de estatutos, a nível de regulamentos internos, a regulamentos disciplinares; pode lidar com ginásios, com quais são as obrigações legais de um ginásio, que tipo de situações é que têm de ser cumpridas em termos de que tipo de formação têm que ter as pessoas que estão a trabalhar no ginásio, que tipos de serviços é que podem ser oferecidos e por quem, quais são os limites a esses serviços, portanto é uma área muito prática, não é aquela coisa pesada e muito teórica, é uma área que sente que depois na prática lhe pode ajudar a resolver problemas das pessoas no dia-a-dia.


FJ: Uma das suas principais funções neste momento é a de Árbitro no Tribunal Arbitral do Desporto. Quando é que assumiu este desafio, e em que é que ele consiste? Que tipos de casos lidam com?


PB: O Tribunal Arbitral do Desporto tem, penso eu, 40 árbitros. Eu tenho a felicidade de estar lá desde que se constituiu, e estamos no segundo mandato, creio que começou em 2016. O TAD, no fundo, é um tribunal que só trata de casos relacionados com o desporto. Aquilo que nós fazemos são sentenças iguais às de qualquer outro tribunal, qualquer outro juiz, e, portanto, aparece-nos tudo aquilo que chega ao limite dentro de uma federação. Dentro de uma federação, existem órgãos próprios, como o Conselho de Disciplina, o Conselho de Justiça, por aí fora e, portanto, tudo aquilo que chegou ao seu limite salta, digamos assim, para o TAD. Chegam-nos desde, vamos imaginar, um atleta que não se conforma porque acha que é injusta a aplicação de determinada suspensão, porque foi expulso num jogo e portanto quer recorrer, recorre para nós; desde distúrbios de uma claque durante um jogo e, por isso, aquela equipa passa a ter jogos à porta fechada, recorre para nós para perceber se faz ou não sentido a aplicação daquela sanção; desde salários em atraso de jogadores, funcionários, situações dessas; portanto, lá está, mais uma vez são situações concretas do dia-a-dia, aí numa perspetiva diferente, que é a perspetiva de que nós podemos decidir fazer uma sentença sobre aqueles casos em concreto.


FJ: Ou seja, no fundo acabam por lidar quase que com todos os “ramos” do Direito aplicados à área do Desporto?


PB: Sim, ou seja, ainda que o tribunal seja específico e concreto apenas para o Desporto, aquilo que acaba por acontecer é que nos aparece de tudo, e isso é uma característica do Direito do Desporto: é muito transversal. Tem questões relacionadas com Direito do Trabalho, imenso Direito Administrativo, com normas constitucionais, com Direito Europeu, porque atualmente os atletas tanto podem ser portugueses como de outra nacionalidade qualquer, e isso traz-nos também jurisdições internacionais para aquilo que são as nossas tomadas de decisão no dia-a-dia. O Direito do Desporto, assim, acaba por abranger um bocado de tudo. É muito interessante por isso.


FJ: Desde 2004, é regente da cadeira de Direito do Desporto, na UAL. Sente-se, no fundo, “o treinador” destes alunos?


PB: O facto de eu, na altura, ter começado nesta área de Direito do Desporto, leva a que, na brincadeira, haja várias pessoas que me identificam como um dos “pais” desta área em Portugal, não por ser especialmente dotado, mas, porque fui um dos primeiros, e acaba por acontecer. Eu acho que faz todo o sentido essa analogia com o treinador, porque aquilo que nós queremos, de facto, e pelo menos na minha visão de como as aulas devem ser dadas, é que os alunos se sintam parte de algo e se sintam envolvidos, que tenham interesse em procurar por eles outros caminhos. O que fazemos é abrir horizontes, e eu acredito muito mais nisso, e na participação, e no sentido de equipa, do que chegar ali e pôr-me a ler algo... nunca acreditei nesse tipo de ensino. E, como tal, para mim faz todo o sentido que às vezes os alunos possam sair das minhas aulas até com mais perguntas do que respostas, para irem depois à procura dessas respostas, para depois voltarmos a discutir já com a resposta encontrada pela cabeça de cada um, acho que é muito mais divertido assim. Há sempre a tendência de procurar uma verdade absoluta, mas as coisas nem sempre são pretas ou brancas, muitas vezes há uma sombra intermédia, uma sombra cinzenta, e é isso o mais fascinante no Direito. Queria só deixar uma nota de rodapé a esta pergunta. Hoje em dia estou ligado à Universidade Autónoma, apenas em pós-graduações. Depois, estou também ligado à Universidade Lusófona, e dou também, neste momento, no Porto, Direito do Fitness.


FJ: Uma outra vertente do Pedro é o seu cargo como Diretor de Serviços da Confederação do Desporto de Portugal. Quais são as competências da CDP? De que trata?


PB: A CDP é, numa linguagem mais fácil, como se fosse um sindicato das federações, onde todas as federações, independentemente de serem olímpicas ou não, encontram uma casa comum. É como se nós fossemos o irmão gémeo do Comité Olímpico, mas, enquanto eles são apenas para as federações olímpicas, nós somos para todas. A Confederação trata de tudo o que é comum às várias confederações, porque há problemas que são transversais independentemente de estarmos a falar de federações grandes como a Federação de Futebol, ou de federações pequenas, como a da petanca ou a do xadrez. Por exemplo, estejamos a falar de um novo Decreto-lei, que abrange os seguros de Acidentes Pessoais/Seguros Desportivos, tanto têm de fazer seguros desportivos os atletas de uma modalidade grande, como da pequena, e o que é preciso encontrarmos é soluções para quando aquela pessoa se lesiona, haver mínimos independentemente daquela pessoa pertencer à federação A, B ou C, nomeadamente em termos do que é coberto, desse tipo de valências. Assim, há aqui uma dimensão política e legislativa, de formação a agentes desportivos, como treinadores, por exemplo, e, portanto, há um trabalho transversal da confederação não só em termos políticos, mas também no dia-a-dia das pessoas.

Temos, por exemplo, a Gala do Desporto, que é conhecida como os “Óscares” do Desporto nacional. Há 25 anos que a CDP faz essa festa para ser eleito o melhor treinador do ano, o melhor atleta masculino e feminino do ano, a melhor equipa, entre outros. Para além disso, todos os campeões do mundo e da Europa na última época também são galardoados nesta gala e, portanto, é uma gala de grande prestígio, onde se junta o desporto português para homenagear quem, naquele ano, se destacou em termos de resultados.


FJ: Ainda bem que referiu da Gala do Desporto, assunto ao qual iria chegar agora. No site da CDP, no âmbito da sua nomeação para o prémio de Melhor Treinador, e desde já os meus parabéns, pode ler-se que 3 palavras que o descrevem são: o Trabalho, a Dedicação e a Determinação. Assim sendo, queria saber se considera estas características fundamentais para todos os juristas.


PB: Nós há pouco falávamos da importância que tem conhecermos mais mundo do que só o mundo da Academia, da Faculdade, e eu acho que quanto mais conhecermos por força de outro tipo de atividades melhor preparados nós estamos. Essas características são muito determinantes, quer na Academia, quer fora. Eu tenho alguns lemas na minha vida, um deles é “Que nunca seja por falta de trabalho e de empenho”. E isto aplica-se quer eu esteja a falar como treinador, como estudante, como professor, como jurista, o que seja. Na nossa vida, e acredito plenamente nisto, há determinado tipo de valores que são totalmente transferíveis nas nossas várias vertentes, até mesmo nas pessoais, e, portanto, fazem todo o sentido; sim, claramente esses são valores que fazem com que bons juristas possam ser melhores, porque isso leva a uma procura constante por tentar ser melhor, por tentar dar o seu melhor. Às vezes até pode não se conseguir os resultados, mas lá está, sabemos que o empenho estava lá e, por isso, podemos ficar descansados no final do dia.


FJ: O desporto não está só presente na sua vida de mãos dadas com o Direito. Falo do seu cargo como treinador de uma equipa de Corfebol. Ora, eu já conheço a modalidade, mas queria que contasse aos nossos leitores o que é, e que nos falasse sobre o nosso clube.


PB: O Corfebol é a única modalidade obrigatoriamente mista que existe no mundo, são 4 rapazes e 4 raparigas numa equipa. É um desporto obrigatoriamente de cooperação, ou seja, uma pessoa não pode driblar, não pode fintar toda a gente, depende sempre da colaboração com os outros. Só por estas características, já é um desporto que tem tudo a ver com a nossa sociedade, e também por isso ser um desporto muito bem recebido no seio escolar, porque facilita uma série de questões aos professores. Os rapazes são obrigados a jogar com as raparigas e não jogam sozinhos, o que pode acontecer com outras modalidades, e depois esta dinâmica de colaboração também tem outras vertentes que são muito ricas. Por exemplo, uma pessoa não pode ser espetacular a marcar e a fazer cestos, e depois não querer saber da defesa. Não, porque mediante aquele que seja o resultado, de 2 em 2 pontos quem está a atacar passa a defender, e vice-versa. E, portanto, são tantas vertentes onde o Corfebol espelha o que é a nossa sociedade, e tem muitas ferramentas educacionais de teamwork que são muito evidentes.


Portugal tem, tradicionalmente, participado em campeonatos da Europa e campeonatos do mundo. Tradicionalmente, é também uma seleção muito competitiva, e temos seleção sub-15, sub-17, sub-19, sub-21 e sénior. É um desporto que tem demorado um bocadinho a ser conhecido, talvez até mais do que merecia, apesar de eu ser suspeito, e tem sido uma aventura muito interessante estar ligado a essa modalidade. O clube é o Clube Corfebol de Oeiras, um gigante adormecido durante muitos anos, um dos maiores de Portugal, mas acabou por passar por uma fase complicada e nos últimos anos, felizmente, tem conseguido se reativar: voltou ao seu lugar, um dos maiores de Portugal. E, principalmente, tem uma dinâmica muito intergeracional, temos pais que jogam com filhos, temos miúdos que começaram com cinco, seis anos e que agora têm quinze e dezasseis em equipas mais competitivas. Temos uma equipa em cada divisão (são 3), a equipa da primeira divisão está a lutar por títulos, e, portanto, tem sido uma aventura muito interessante, e tem tudo a ver com aquilo que nós estamos a falar. Tem tudo a ver com aquilo que se faz depois fora de campo, nas vidas profissionais e pessoais de cada um, tudo isto está interligado, os valores e os princípios são os mesmos.


FJ: Queria agradecer-lhe imenso por esta conversa. Acho que foi extremamente esclarecedor, tanto para mim, como para os nossos leitores. Para terminar, um conselho de treinador para os nossos leitores. Como fazem para ganhar o jogo da licenciatura?


PB: Acho que é um bocadinho o que já referi. Passa pelas pessoas olharem para dentro de si, acho que isso ajuda, porque há tanta influência exterior, direta e indireta, que muitas vezes me parece que há pessoas que acabam por seguir um caminho que não é bem o seu. Olhar para dentro, descobrir o seu caminho e, a partir daí é ir atrás dele com o tal empenho, a tal determinação e vontade, e acredito sinceramente que há sempre espaço para quem tenha esta visão.


Hoje em dia, está tudo vocacionado nos resultados, na faculdade X, na nota Y, isso é importante, mas claramente não é tudo, e acredito que, no futuro, vai deixar cada vez mais de ser a única coisa que importa. É perfeitamente possível conciliar uma pessoa que tem vida académica, mas também pessoal, desportiva, com os amigos, e isso está um pouco esquecido hoje em dia. E esse tipo de atividades, ainda por cima em Direito, que é um curso extremamente competitivo, e que parece que as pessoas têm que pôr tudo na prateleira e tornarem-se quase robóticos para terem notas melhores do que as outras pessoas, serem melhores que as outras pessoas, e é possível fazer caminhos diferentes.

Se há uma coisa boa que eu tenho na minha vida é, se calhar, provar isso. Eu não tinha dinheiro para estudar, não era um aluno fantástico, e depois comecei a ser, lá está, porque comecei a descobrir do que gostava, e, portanto, acredito verdadeiramente que há espaço para isso e um caminho para isso, cada um tem é que descobrir o seu, e dar tudo para lá chegar.


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