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Entrevista à Associação Direito Mental


NOTA

Esta entrevista foi realizada entre o nosso Redator e Diretor-Adjunto Hugo Mendes e a Cofundadora e Vogal da Direito Mental Raquel Sampaio, que, desde já, agradecemos pela disponibilidade, simpatia e profissionalismo. Tem como objetivos divulgar a Associação e abordar a importância da saúde mental.


Como surgiu a ideia do projeto e quais as principais missões do projeto?


A ideia do projeto foi de um dos fundadores, Nuno Castelão, porque passou por um burnout em 2019 e, entretanto, a pandemia piorou o período difícil pelo qual passou. Posteriormente, contactou o Martim Krupenski, Diretor-Geral da Morais Leitão, que, por sua vez, contactou Rita Rendeiro, Presidente da Direito Mental, que, por sua vez, contactou a própria Raquel Sampaio. Esta, diz, sempre foi explícita relativamente aos seus próprios problemas de saúde mental, fazendo alguns posts sobre estas questões “e eles acharam que nós os quatro fazíamos um bom encaixe”.


O Nuno, que tinha trabalhado muito tempo em Londres, vinha de lá com a ideia da LawCare, uma charity com mais de 25 anos, que também trabalha nesta área para advogados, staff e business development com uma linha telefónica interpares. Tendo esta associação britânica como exemplo, e como estavam bem posicionados na comunidade jurídica, começaram a contactar várias sociedades de advogados. Montaram a estrutura do projeto, definindo, a nível jurídico, que seria uma associação sem fins lucrativos. Raquel acrescenta que foi há mais ou menos um ano que oficializaram a associação na Conservatória, começaram a trabalhar no site e no que poderiam oferecer.


Estabeleceram como linhas-mestres: ajudar de forma interpares, uma vez que não são psicólogos nem psiquiatras; sensibilizar para quebrar o estigma, desconstruindo e contribuindo para uma delimitação dos termos corretos de stress, ansiedade, burnout, etc.; e, para além disso, queriam ter algum tipo de dados, recolhendo e divulgando dados, porque “não queríamos basear-nos em achismos”.


O lançamento do projeto decorreu no dia 26 de maio de 2022, pelas 18h, no Auditório da Morais Leitão, que começou precisamente pela sensibilização da causa numa abordagem “na primeira pessoa”, feita de testemunhos pessoais, por exemplo, de José Eduardo Martins e Sofia Leite Borges que falaram das suas próprias experiências; e contou, ainda, com a presença do psiquiatra Luís Madeira. Desde então, têm feito eventos com os Associados relacionados com a gestão do stress e da ansiedade, como dormir melhor, como organizar o dia, como não estar sempre em urgência, etc. Entretanto, foram convidados para falar de diversidade de inclusão, como atrair e reter talento, e perceberam que “seria aí a chave de entrada nesta indústria”. Conseguiram perceber que havia um problema comum a este tipo de organizações que se traduzia no desafio de como oferecer melhores condições às futuras gerações.


Em 2023, têm trabalhado nessas áreas, em eventos de sensibilização, têm tido oferta formativa e têm estado sempre em parceria com psicólogos e psiquiatras. Lançaram um estudo em parceria com a ProChild CoLAB e com o Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho (CIPsi), denominado “O impacto da cultura organizacional na saúde mental e bem-estar dos/as profissionais do direito”, cujos resultados serão apresentados no final do ano.


A título pessoal, qual a importância que a saúde mental tem na sua vida? E quais os episódios que destaca como momentos propulsores para embarcar neste projeto?


Os desafios da saúde mental, no caso de Raquel Sampaio, têm um histórico familiar que se fez refletir na própria e que, quando começou a trabalhar, se traduziu em episódios bastante agudos da depressão, em que não era funcional, não conseguia levantar-se da cama, não via qualquer tipo de horizonte nem conseguia manter uma rotina. Vivia num mundo de contrastes, entre ter imensa ou nenhuma fome, entre ter muito ou nenhum sono e sem saber lidar com a situação, apesar dos antecedentes familiares.


A partir do momento em que é diagnosticada como tendo depressão, começa a ser medicada, com um acompanhamento psiquiatra e psicoterapêutico simultâneo. “A partir daí, a minha vida mudou completamente!”. O diagnóstico e a psicoterapia permitiram-lhe perceber-se melhor não só a si própria enquanto pessoa, mas também aos seus sintomas e aos seus limites; é o que “faz de mim o que eu sou hoje”.


Quais são os objetivos e as prioridades da associação para o futuro próximo? Estão a pensar fazer algum tipo de formação contínua na área da saúde mental nas faculdades?


O principal objetivo, para 2023, é precisamente o estudo anteriormente mencionado, não só pelo seu enorme encargo financeiro, mas também pela consolidação científica que requer e que necessita de uma profundidade para que os resultados reflitam a realidade. Farão uma série de roadshows por todo o país, para que tenha a maior representatividade possível.


Em relação às faculdades, pretendem ouvir os alunos das diversas faculdades de Direito para perceber melhor as necessidades do seu público-alvo, o que faria sentido e o que teria adesão por parte da comunidade académica. Estão disponíveis para serem contactados e para dialogar com as Associações de Estudantes, bem como com as Faculdades.


Como é que os estudantes de direito podem ajudar a vossa causa e as vossas iniciativas? Pensam integrar alguns voluntários e/ou estagiários?


“Testemunhos na primeira pessoa são sempre mais valiosos no que toca à saúde mental.” No ano passado, realizaram um evento intergeracional em parceria com a Linklaters, em que o painel de convidados era composto por um estudante, um estagiário, um associado júnior, um associado sénior e um sócio - interessante pelas várias perspetivas na escala hierárquica dos escritórios de advogados. Neste sentido, estão abertos a qualquer oferta de voluntariado.


Ao mesmo tempo, e a outro nível, têm considerado a montagem de uma linha ou um Whatssap em que as pessoas possam ter algum tipo de apoio. No entanto, Raquel confessa um certo receio de que não tenha adesão, sobretudo porque já existem muitas linhas telefónicas nesse âmbito.


Toda a divulgação das atividades da Associação e toda a participação que os jovens possam vir a ter “é essencial”, bem como no anúncio dos resultados do estudo, apontado para 10 de outubro, Dia da Saúde Mental.


Na sua opinião, porque razão tantos alunos universitários têm problemas de saúde mental? Quais os conselhos que pode dar para contornar esses problemas e, no fundo, “sobrevivermos” ao curso de Direito, tendo já passado por isso?


Primeiramente, os riscos são óbvios: a pressão que vem de todos os lados, quer dos colegas, quer dos pais, quer do próprio mundo do trabalho, que inicia no primeiro dia, relacionada com os estágios durante a faculdade e no verão, com o currículo impecável com inúmeras atividades extracurriculares, etc. A pressão e a concorrência são multilaterais e as consequências psicossociais são enormes. Muita gente pensa, erradamente, que a advocacia é a única saída e acabam por depositar uma certeza absoluta naquele resultado que, se não acontecer, a vida desmorona. A realidade é que existem várias alternativas que não passam por se ser advogado.


Para lidar com tudo isto, Raquel aponta os básicos: para além de partir de uma base de autoconhecimento, muito desenvolvido na terapia ou noutro método adaptado ao indivíduo (porque não pode ser “one-size-fits-all”); dormir bem e com qualidade, comer de forma saudável e ter algum tipo de lazer que nos tire do contexto académico, porque às vezes deixamos de ter perspetiva e confundimos as barreiras entre o trabalho e a vida pessoal. É importante ter, a cada semana ou a cada mês, um ponto de autoperspetivação e autorreflexão, perceber que a faculdade não é tudo na vida: há desporto, há amor, há amigos, há concertos, há lazer, há ler outros livros que não sejam académicos, há passear um cão. São esses momentos em que nos distraímos desses contextos, que são rios de pressão, que nos dão esse horizonte. Mesmo nos momentos de maior desespero, conseguimos ter essa visão de dentro para fora: “quando estás na ilha não tens perspetiva, quando sais da ilha já consegues olhar e perceber”.


Na sua opinião, como é que os estudantes de Direito se podem preparar, a nível mental, para o mercado de trabalho?


A informação é essencial. Hoje em dia, não é só a organização que nos está a entrevistar, nós também os estamos a entrevistar a eles; também devemos, em entrevistas e em jobshops perceber logo quais são as condições de trabalho: qual é a política de férias, se há ou não um regime de trabalho híbrido ou alguma flexibilidade nesse sentido, falar com pessoas que já passaram por lá, etc. Para além disso, Raquel aconselha a que tenhamos o máximo de experiências possíveis, tal como a própria que participou numa panóplia de coisas diferentes, tendo vivido em Moçambique, Nova Iorque, Timor-Leste, tendo feito Erasmus e tendo trabalhado no Governo enquanto Adjunta do Gabinete do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros do XXI Governo Constitucional para as áreas de Ambiente e Economia; porque “não sabemos se não experimentarmos”.


No que toca à competitividade do dia a dia, devemos garantir um bom horário de sono, uma alimentação saudável regular e procurar retirar a pressão diária ao descansar e ao ter algumas bolhas de segurança que propiciem sossego.


O que fazer para nos tornarmos ativistas na área da saúde mental?


Raquel começa por dizer que só se apercebeu que era uma ativista aquando do processo da depressão e depois de passar por essa “travessia do deserto”: um período de vergonha, medo de retaliação, medo de não conseguir manter o trabalho e, ainda, de ter passado por essa vulnerabilidade e fragilidade toda, que achava que era e que devia pôr uma cara bonita e ir trabalhar (mas não é, admitir que nos sentimos mal e que precisamos de ajuda é um ato corajoso). “Eu não quero que mais pessoas passem por experiências como chorar no parque de estacionamento da sociedade de advogados”.


Basicamente, deve-se procurar receber o máximo de informação e transmiti-la. “Para ser ativista, tens de ter informação e dados científicos sobre o assunto”. Para além disso, a ajuda passa por pequenas contribuições com sugestões de conteúdos para o site, no caso da Direito Mental – o ativismo passa, também, por estas pequenas ações, porque “nem todo o ativismo tem de ser na primeira pessoa”. É possível começar de várias formas, mas Raquel aconselha a procurar informação para poder transmiti-la da melhor forma sem cairmos nos “achismos”, nos populismos e nos clichés fáceis das publicações do Instagram.



VER:

  1. https://www.cuf.pt/mais-saude/stress-cronico-sindrome-de-burnout; https://www.santander.pt/salto/sindrome-burnout-o-que-e; https://www.helpguide.org/articles/stress/burnout-prevention-and-recovery.htm

  2. https://www.lawcare.org.uk/ 

  3. Abreu Advogados, CMS, LinkLaters, Miranda e Associados, Morais Leitão Galvão Teles, Soares da Silva & Associados, DLA Piper, PLMJ, SRS Advogados, VdA Vieria de Almeida, Úria Menéndez – Proença de Carvalho, FARFETCH, TELLES, Sofia Leite Borges e Associados, SPS e Cuatrecasas.

  4.  http://prochildforms.prochildcolab.pt/ci 

  5.  https://saudemental.pt/recursos/ 






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