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Lara Cândido

feridas que não podem ser beijadas

Sendo da Margem Sul, para ir para a universidade tenho de apanhar um comboio e um autocarro todos os dias. Hoje em dia, já estou habituada. É algo banal. Mas a Lara uma semana antes do começo do primeiro semestre pensava que se ia perder no meio do caminho, e que seria capturada, desmembrada e contrabandeada no mercado negro. 

Disseram-me que a universidade ia ser o auge. Que eu ia fazer tudo o que não pude fazer antes, e outras coisas que nem nem teriam sido meu objeto de pensamento. E eu acreditei, plenamente, que seria verdade. Sonhava que a partir do primeiro momento que lá metesse os pés estaria interioziada naquela vida universitária dos filmes americanos. A Lara, uma semana antes do primeiro semestre, pensava, realmente, que se conhecia - pelo menos, a níveis mínimos - a si mesma, e que se iria reecontrar e descobrir ainda mais.

Mas a verdade é que não foi isso aconteceu. 

À medida que o tempo passou, tal como disse, o caminho para a universidade começou a ser rotineiro. E nunca me perdi - a Lara uma semana antes do primeiro semestre não acreditaria. Mas esta também não acreditaria que, ao longo dos dias, se ia sentir presa nos pensamentos imperdoáveis da sua mente, que lhe seriam, por via da ironia, incompreensíveis, porque sentiria, no ser, que apenas lhe trariam dores inconsoláveis. Mas é verdade. Passado este primeiro semestre, deixei-me assentir numa conformidade apática com a minha melancolia - que não sei, exatamente, de outro provém. E o pior é que não existem palavras que possam adocicar esta minha amargura - eu bem tentei procurar no dicionário. E, portanto, só me sinto, constantemente, marcada por uma desilusão cortante. 

E, ainda que saiba muito pouco sobre o mundo, sei - e sinto - que não deveria ser como sou; que devia ser mais, saber mais, fazer mais, conhecer mais, mais tudo e menos nada. Menos inércia, menos apatia, menos self doubting - menos medo. E sei que devia tentar mais, ir mais além. Adormeço a pensar no que poderia ter feito - e que eu tanto queria - e no que poderia ter acontecido se eu tivesse sido capaz. Nas coisas que eu poderia ter dito - mas que deixei ficarem entaladas na minha garganta. Mas sinto um obstáculo incomensurável entre o querer e o arquitetar; entre o almejar e o ser e entre o que podia ser, e o que é. E, na realidade, o que é é nada. Não sou nada. Nunca fui nada, mas cada vez mais sinto esse nada a construir uma muralha de pedra na minha garganta que não me deixa falar, e que me afunda o coração na desilusão de não a conseguir deitar abaixo. 

Porque, para isso, eu teria de saber quem sou. E eu não sei. Apenas sei que não queria ser assim. Qualquer coisa seria preferível a ser assim. 

Mas a força para mudar escasseia; a força para acreditar em mim e no que eu posso ser perde-se a cada dia que passa, como aquele monte de areia que desaparece, aos pouquinhos, da nossa mão - e sabemos que é assim que deveria ser; nunca o conseguiríamos manter, é a natureza.

Cheguei desamparada à universidade, e agora ainda estou mais perdida.

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