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Inês Costa Graça

Jardins Abandonados


Impaciência. Angústia. Isolamento. Medo. Dúvida. Desordem. Desacordo. Caos.


Como nos deixamos embrulhar nesta sequência degradante e perfeitamente previsível, adivinhável em cada passo que lhe confere continuidade? Como fomos tão imprudentes ao avistar a sua vinda? Como sobrevivemos à sua efetiva presença na nossa rotina? Como lhe arrancaremos pelas raízes a essência maligna, que nos invade como se não passássemos de jardins por cultivar, sem propósito, deixados ao abandono.


Como nos transformámos em tal coisa?


Precisamos de respirar para viver e, para alguns, essa será a nossa maior fraqueza. Pois, se mergulhamos por muito tempo, se voarmos demasiado alto, ou se simplesmente nos taparem o nariz e a boca, morremos. Ainda assim, acredito que se tenham esquecido, esses que consideram a respiração uma fraqueza superior do contacto humano. Precisamos e buscamos, de uma forma um tanto exaustiva, o contacto uns com os outros. E criaram-se gestos que legitimam esta necessidade comum, criaram-se tradições que trazem a convivência para a rotina, sem que pareça suspeito. Buscam-se, nos lugares mais estranhos, estímulos de sentimentos, através da compra do toque, da companhia, do ser-se querido e desejado por alguém. Atravessam-se os caminhos mais controversos como meio de alcançar ideais que, por vermos nos outros, desejamos para nós. No fim, muitos trocam a função do caminho, um simples meio, para que este passe a ser o fim. Submetem-se aos meios duvidosos, encurralando-se nas emboscadas das fraquezas alheias, que os impedem de prosseguir. Vivem vazios e ocos por dentro.


São fraquezas destas que nos tornam dependentes uns dos outros. Subtilmente dependentes, numa situação comum quotidiana, mas não em estado de crise. Que coisa controversa, estarmos unidos por uma fraqueza comum, que tanto nos beneficia, como é capaz de nos trazer os piores venenos, que nós próprios plantámos, noutro canto qualquer do mundo, conferindo uma eterna verdade à lei de causa e efeito. O ar, que tanto nos liga, espalha as notícias e nos dá vida, também ele nos sufoca, contamina e aprisiona. O isolamento, que tanto nos dá tempo, nos permite introspeção, também ele nos leva à loucura, nos enche de saudades, nos tira a mobilidade, nos põe em causa.


Na natureza, os animais estão divididos por reinos, filos, classes, ordens, famílias, géneros e espécies. Sabemos que, aqueles que pertencem à mesma espécie, se reproduzem entre si, caçam e migram em grupo, entre outras atividades coletivas. Verificamos que o espírito de liderança, de companheirismo e compromisso são muito mais efetivos nos animais irracionais do que na nossa espécie. E porquê? Talvez porque eles não percam tempo a encontrar fatores que os agrupem ou separem. Talvez porque lhes baste o instinto daquilo que já é evidente - a vida em comunidade dentro da mesma espécie. Eles protegem-se uns aos outros. E nós, humanos, dotados de racionalidade e de ferramentas excecionais, somos historicamente ambiciosos e autodestrutivos. Separamo-nos, dentro da mesma espécie, entre ricos e pobres, pretos e brancos, cristãos e muçulmanos, apoiantes do clube A e do clube B. Mas não em estado de crise. Tentamos elevar-nos uns aos outros para preencher os tais vazios que nos conferem triste isolamento. Procuramos seguidores que aprovem tais feitos, e julgamo-nos felizes. Mas não somos. A verdade é que, na época em que vivemos, pouco ou nada importa se me acho mais importante que o meu vizinho da mesma espécie. Pouco ou nada ajuda eu ser mais rico que ele. Se não formos solidários, se escolhermos caminhar sozinhos, se nos afastarmos do sentido de comunidade no seu expoente mais elevado, não poderemos sair ilesos, não em estado de crise.





Porquê? Porque somos iguais. Caracterizamo-nos pelas mesmas fraquezas. O ar que me contamina, irá contaminar o meu vizinho. O isolamento que me põe em causa, irá pô-lo em causa também. Porque quando somos reduzidos à nossa essência, não somos mais que rosas de cores, tamanhos e aromas diferentes, vindas de outros lugares, únicas na sua identidade. Porque, talvez, lembrarmo-nos da nossa essência comum, num tempo de crise assim, não nos reduzirá a nada. Pelo contrário, elevar-nos-á a uma humanidade grandiosa que fomos perdendo, em tantos meios controversos, em tantos fins duvidosos, feitos de caminhos pouco prováveis.


Ser mais, neste momento, passa por ser menos. Passa por ser. Apenas ser. Livrar-nos das máscaras que visam melhorar o nosso estatuto. Porque o ar é de todos. Ele é igual, imparcial, é severo. E só juntos, como um todo, nos poderemos nos proteger das suas ações mais cruéis. Só em comunidade, como um bando de leões, que procura proteger o seu parente ferido, nos poderemos curar. Nunca sozinhos.





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