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Paula Azevedo

Já não há cartas de amor


      Tu escreveste cartas de amor? Certamente. Eu também. Mas hoje elas já não existem. Apesar de Fernando Pessoa dizer que elas são ridículas, é uma pena estarem extintas. Não é que não sejam, de facto, ridículas. Concordo com ele. Escrevi coisas que hoje não escreveria e recebi textos mesmo absurdos, mas enfim, eram declarações de amor. E todo o amor é composto de frases ridículas, sentimentos parvos e muitas palavras acabadas em “inho(a)”, como amorzinho, beijinho, queridinho, coraçãozinho, ternurinha, florzinha, mãozinha, etc. E depois há sempre o desespero da separação, nem que seja só de três dias, meu Deus, uma tragédia grega! Durante esses três dias os amados são capazes de escrever vinte cartas, cheias de promessas de amor. Um rol de parvoíces, sem dúvida. Mas é amor, e o amor é cego, parvo, estúpido e sei lá mais o quê! E ainda nem falei do ciúme, que também há sempre nestas escritas idiotas, em menor ou maior porção, conforme a doença da pessoa. Sim, porque ter ciúme é uma doença. E o “não me esqueças”. Como se fosse possível, com a caixa do correio entupida de cartas todos os dias!


      E a solidão por não se estar com a(o) amada(o)?… Insuportável, de partir o coração! Só no ato da escrita. Fecha-se a carta, envia-se no correio e a vidinha continua, claro! Sai-se com os amigos e esquece-se o assunto. 


      Termos como “derradeiro amor”, “única esperança da minha vida”, “meu coração partido de tanta saudade”, “sofrimento infinito”, “anseio a tua chegada”, “sem ti não consigo viver”, “o caos em que estou mergulhado”, “estou a enfrentar uma tempestade de sentimentos”, “o meu coração dorido”, “não consigo respirar sem ti”, … e muitos, muitos outros, são o exemplo de como as pessoas apaixonadas são capazes de escrever coisas verdadeiramente tristes, exageradíssimas, não acham? Dramáticas, mesmo! Não sei se o amor é uma coisa assim tão boa. A pessoa fica mesmo deprimida ou é impressão minha?! Ou fica só estúpida, sem conseguir raciocinar?! Ou então apenas escreve estas parvoíces para impressionar a(o) amada(o). Pode ser isso. E como o amor é cego, é capaz de funcionar.


      Afinal, ainda bem que deixaram de existir cartas de amor. Escusamos de fazer figura de parvos e, além disso, poupamos papel!


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