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Lembro-me que… Traçar da Capa 2024

Tiago Carretas

Lembro-me da ânsia, lembro-me de esperar vastas horas para poder ter um momento a sós com os meus padrinhos e madrinha, lembro-me de jurar que não ia chorar e, poucas horas depois, de chorar sem parar enquanto falava com a minha madrinha. Lembro-me do orgulho nos olhos dos meus doutores, lembro-me da felicidade que senti em poder actuar com a Tuna, por fim, totalmente trajado. No fundo, lembro-me de tudo e de nada me esquecerei.


Raquel Nunes

Lembro-me de me sentir importante com o traje vestido pela primeira vez. Lembro-me de sentir o sabor a alho a noite toda por causa do tribunal... Mas, acima de tudo, lembro-me dos discursos, dos risos, das lágrimas e dos abraços naquela noite, que foi mágica. Foi aí que me senti oficialmente parte desta grande família. Aí entendi a saudade que vai deixar quando me for embora, e decidi aproveitar cada momento desta jornada como se fosse o último.


António Subtil

Lembro-me que o meu, no meu tempo, devastou-me. Ter-me-ia devastado perder o dela.


É estranho, apropriar-nos da emoção alheia, não por empatia, mas no verdadeiro sentido de apropriar, dizer "o que sentes é também do meu direito". Talvez seja isso a que chamamos comunidade. Talvez seja a isso que chamamos família.


Ela diz "eu queria ter feito um pedido a sério", com olhos de cachorro abandonado, e algo entre as costelas gane-me. Mas, pedido rústico feito, agora está tudo bem. Ponho-lhe as as mãos entre os caracóis rebeldes, e praticamos as palavras várias vezes pela tarde - padrinho, padrinho, padrinho. Afilhada, afilhada.


Afilhada. Por ela, meus ossos e sangue, e sua agonia e alegria, e meu orgulho. Que orgulho, vê-la no meio, vitoriosa, e pensar "ESTA VITÓRIA É TAMBÉM MINHA, ESTA FILHA É MINHA" e ela dizer "padrinhos, amo-vos" eu badalo "OS MEUS SINOS DOBRAM POR TI". Que honra fazer parte deste pedaço de humanidade. 


Eva, 01100001 00100000 01100001 01110010 01110100 01100101 00100000 11000011 10101001 00100000 01110101 01101101 01100001 00100000 01100110 01101111 01110010 01101101 01100001 00100000 01100100 01100101 00100000 01100001 01101101 01101111 01110010 00101110 00100000 01101101 01101111 01110011 01110100 01110010 01100001 00101101 01101101 01100101 00100000 01101111 00100000 01110001 01110101 01100101 00100000 01100101 01110011 01100011 01110010 01100101 01110110 01100101 01110011


Beatriz Rodrigues

Lembro-me de chegar no calor da tarde e da minha prioridade ser o nó da gravata da Raquel (sabe ela que aprendi a fazer nós para aquele propósito). Do pin do trevo da sorte e do bilhetinho fofo que me passou para a mão. Não, filha, a sorte é minha.


Lembro-me dos pequenos momentos. Das piadas da Maria, dos olhares de riso trocados com o Kiko no tribunal, de ter mais uma irmã, de cantar com a Ana no relvado, do abraço do Bernardo durante a atuação da tuna, dos Favaius a ganhar o grupo do ano.


Lembro-me de falar ao telemóvel com a Maki, e do áudio enviado às 3 da manhã. De lhe dar updates dos afilhados e de lhe dizer o quanto queria que ela estivesse ali - respondeu-me que a teria sempre a ela, que me traçaria a capa quando voltasse, que seria sempre a menina dela. 


Lembro-me de finalmente traçar a capa da Raquel. De lhe falar das partes mais bonitas da vida, das mais tristes, das que fazem a cabeça e o coração entrar em coma. Fiz questão de lhe assegurar que teria sempre um abraço para ela - para ela e para a Daniela - e de lhe repetir o quanto orgulhosa e agradecida estou por me terem escolhido como família. Confessou-me o porquê de o terem feito, que eu tinha feito algo que mais ninguém fez. Chegámos à conclusão de que é uma família com um legado muito específico a manter. Meu amor - meus amores. Amores da madrinha.


Lembro-me do rolo de papel higiénico roubado da IMS. O segundo rolo de papel higiénico. De o dar ao António e de lhe pedir para me traçar a capa outra vez. Agradeci-lhe por todas as vezes em que me compreendeu e me deu as duas mãos quando mais precisei. Chamou-me corna, para variar. Chorei-lhe no ombro, para variar.


Lembro-me do cansaço físico e emocional, da nostalgia, das dores, das saudades, de tudo o que ficou por dizer e fazer. De pensar que a noite acabaria e que não haveria dia seguinte, até alguém me dizer que o sol nasce sempre. No ano passado escrevi que tinha muito mais do que uma lágrima no canto do olho - foi algo que não mudou.


Maria Leonor Baptista

Lembro-me da dor de pés e do cansaço terem sido disfarçados quando me sentei para falar com a minha afilhada e quando fui traçar o meu afilhado, a primeira capa que tracei. Lembro-me de pensar que desejava ter 1/10 do impacto na vida daqueles dois seres humanos que os meus padrinhos têm na minha vida, desde o dia em que também eles traçaram a minha capa. 

Lembro-me do abraço apertado de amigos meus, pessoas que me são tanto, antes de ir para casa às 4 da manhã, com uma nostalgia estranha, uma sensação de feliz e triste ao mesmo tempo. 

Lembro-me de querer sentir isto mais vezes, de não ter dúvidas quanto a valer a pena o cansaço, as noites semi-dormidas, a preparação… porque, quando o meu afilhado estava com uma lágrima no canto do olho, soube que fiz algo bem.


Sara Schurmann

Lembro-me das lágrimas (entre sorrisos) que aquele relvado absorveu com cada discurso que ouvia das minhas madrinhas.


Margarida Violante

Lembro-me de achar que aquele era um dos dias mais bonitos que passei na faculdade. Lembro-me, acima de tudo, de me sentir grata pelas pessoas que ela me deu.


Francisco de Jesus

lembro-me de os ver comer os alhos, pela merda que fizeram ao longo do ano.

lembro-me do brandão de quem os meus afilhados se esquivaram (para alguns, não foi por falta de tentativa…)

lembro-me de ter dois padrinhos a traçar-me pela primeira vez, lágrimas nos seus olhos e nos meus.

lembro-me de me emocionar com cada um dos meus meninos, findo o seu ano de caloiro. lembro-me da tristeza de os ver sair do ninho, e voar em direção ao mundo.


Carolina Cardoso

Lembro-me de me deitar na relva a ver as estrelas. Escoava de todos nós a tensão de momentos anteriores, apenas nos deixávamos aproveitar o momento. Ausentes de responsabilidade, à espera que cessasse a inércia do conforto. 


Tremia-me a voz ao cantar com a tuna. São incontáveis os nós que se formaram na minha garganta, que apertavam a cada nota tocada e palavra dita. As pessoas… as pessoas… Senti os meus olhos humedecer ao olhar para a Margarida, para a Mariana, para a Carolina e para a Mariló, que cantavam em uníssono, nas nossas vozes igualmente incertas e inseguras, cuja única certeza era a realidade da canção entoada e o quão profundo é cantá-la com todos nós. 


Lembro-me da Rita a adormecer de exaustão. Era tarde. Já muito se havia passado e nenhum de nós achava que aguentaria muito mais tempo com aquela intensidade.


Sentei-me na minha capa. 


Alguém especial me disse naquela noite que eu era como o segundo Kinder Bueno que cai de uma máquina de vendas. Que se orgulhava e se revia em mim. A beleza da conexão humana não pode ser replicada por palavras. Fiquei feliz apenas por um trocar de olhares sincero, cansado, honesto, de mútuo entendimento. Os olhos grandes e molhados dela dizem mais do que todos os dialetos do mundo alguma vez poderiam expressar, e eu compreendo-a plenamente. Sempre compreendi e sempre irei. Obrigada por tudo. 


Nunca numa noite me senti tão vista. Afinal tudo o que se faz pelo simples facto de amar o amor e a humanidade não é em vão. Todas as lágrimas na cara da minha amiga e madrinha Matilde irão para sempre cristalizar em mim a visão de alguém que eu admiro, que me vê e não me acha indiferente. Que eu espero que sairá de cabeça erguida com as memórias deste traçar. 


O quanto eu implorei para não chorar embrulhada num abraço. 


Digo apenas que estou grata pelo fio de tempo que se emaranhou e juntou este bando aleatoriamente funcional na minha vida. São estas as pessoas que fazem Lisboa. Que fazem da minha vida um prazer e não um fardo de ser vivida. Que de alguma forma preencheram todas as lacunas da minha personalidade.


Lembro-me que… nem preciso de me lembrar. Fecho os olhos e ainda hoje estou no relvado. 


Mello

Lembro-me de correr para chegar a tempo. De me descansarem, porque claro que estava atrasado. Da Matilde meter tudo em ordem. Da Beatriz Moderno me pedir por pensos de unhas. Lembro-me tão bem da Moderno, e que ela parecia contente. Dos meus filhos que já cresceram. Das minhas meninas mais novas, ainda nervosas.


Lembro-me de anoitecer. Do Afonso se despachar para ir para um concerto. De ter frio, de me taparem com capas, de ver as estrelas. Não dissemos grande coisa. Encostamos as cabeças e vimos as estrelas. Apontei para a ‘Concha’. Alguém especial disse-me que não era assim que se chamava.


Lembro-me do Afonso voltar. Lembro-me de me encostar à minha Isabel e ao meu António. Lembro-me de dizer ao Afonso que tinha frio, e de pensar que seria a última vez que ele estaria num traçar. 

Lembro-me do quão chocados ficámos com a vitória do nosso grupo - a paralisia que veio com tal, ambos de boca aberta a um canto sem conseguir processar. Uma vitória inédita. Pensei o quão importante seria para eles, que nasceram no seio da família que são os Favaius, e foram os seus primeiros caloiros vencerem no seu ano de despedida. Quase chorei. A vitória não era bem minha, pois não nasci como eles cá - mas era. Senti-a na minha pele. Lembro-me que a Moderno, líder, deu cabo do pé. Servi de apoio durante algum tempo. Que já lhe tinha dito várias vezes o quão impecável tinha sido.


Pedi que se sentasse na capa dela.

Disse a alguém especial que ela era como o segundo Kinder Bueno que cai de uma máquina de vendas. Que me orgulhava e me revia nela. Que as pessoas se pertencem, mesmo que por sorte ou acaso. Por escolha, acima de tudo. Estava tão cansada. Estávamos tão cansadas. Disse que não tinha muito para dizer, pois é algo que se sente. Que nos compreendemos perfeitamente. Não podíamos chorar devido às lentes - então disse algo parvo e voltamos ao costume. Estamos na mesma frequência de rádio - falamos a mesma língua. Não me agradeças, por favor. Prazer é todo meu.

A Matilde só chorava - não sei se alguma vez a vi chorar tanto. Querida. Querida. Vermelha e com o rosto encharcado parecia uma menina pequena, e não a mulher que é. 


Falei da Rita Duarte - tracei capas com o sangue falso dela. Que o percurso e caminho que tinha sido feito para pessoas como nós, teve de começar com quem veio antes. Tenho saudades da minha mãe. 


A Maria disse que eu era a fada madrinha dela. Que a queria por perto, e não fechada no mundo dela. Que a vida corre, e por muito menos doloroso que seja vivermos em clausura, que há tantas pessoas incríveis lá fora. Que a minha dedicação é às pessoas, e que compreendo que a dela seja diferente, mas que a queria perto de mim. O cansaço começou a atingir. Ela falou comigo. Pensei que era bonita, bonita, inteligente e querida. Gentil. Que iria fazer grandes coisas. Amorosa.


A minha Francisca falou menos, mas chorou mais. Chorou o tempo todo, com muitas lágrimas e pouco som. Disse-lhe que ainda tinha tempo de descobrir a que se dedicar. Mas que para isso tinha de viver também - que é o oposto da irmã dela. Que queria ver tudo - o que ela iria ser, quem iria ser. Disse-lhe que não era suposto eu ser mãe de novo, que continuei presente por ela. Disse-me que gostava mesmo muito de mim. 


Não conseguia manter os olhos abertos. Passei mais de 12 horas com lentes, com fome, sono, frio e todas as emoções negativo-positivas. Não conseguia ver a capa que traçava. Fiz mal. Já não me aguentava em pé. Pedi desculpa, pedi desculpa. Atrasos académicos e toda a gente querer discursar, e são 3 da manhã e há limites físicos humanos. Esse foi o meu. Sentei-me, e desatei a chorar - queria ir para casa. Queria conforto de cama e de alguém à minha espera. A Sofia Tello Barradas, amor da minha vida, disse que me confortava e agarrou em mim enquanto esperávamos pela nossa afilhada. 


Regressei com a Mariana Alves e a Concha. A Concha desejou-me ‘sonhos cor-de-rosa’. Destrajei-me, atirei tudo para o canto como uma protagonista de filme pretensioso a enlouquecer, e enfiei-me na minha cama apertada. Falei com o Afonso - claro que falei. Eu e ele somos um duo. Ele despediu-se com um beijo grande e um abraço, e as coisas melhoraram. Chorei de exaustão. Chorei por não conseguir dormir. Chorei porque o meu corpo gritava comigo, de como pude ficar tanto tempo. 


Adormeci. Acordei de manhã, e recebi a minha Gi, sem voz. Fiz um chá que me ofereceram com mel à minha filha e parceira de Coordenação. Sobrevivi. Voltei a ser mãe.


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