top of page
Writer's pictureJurpontonal Nova Law Lisboa

Lembro-me que... (versão batismo do caloiro 23/24) - parte II

Sissi


Leve é um adjetivo estranho para caraterizar um dia tão intenso quanto o dia do Batismo. Não consigo evitar que seja essa sensação de leveza que me invade quando, como se se tratasse de algo que tivesse acontecido há uns bons anos, relembro já saudosa aquela mágica tarde que, para alguns de nós que tiveram horas infinitas a tentar reaver a dignidade capilar, se prolongou num excelente início de noite.

Sentada no relvado imagino o que estarão a pensar aqueles olhos que, do outro lado do lago, se espantam ao verem o seu tão apreciado café pós-almoço ou a sua tarde de confraternização interrompida por um espetáculo peculiar: os volterini e uma manada de minions vermelhos a encaminharem-se, vez a vez, a pares ou em trios, em direção à água para realizar um ritual, no mínimo, interessante e até cómico dada a colher gigante envolvida. Houve quem face a esse cenário instintivamente tirasse os telemóveis para fotografar tão invulgar momento e, assim, munir-se de suporte fotográfico para quando aquele cafezinho na linha d’água no dia 17 de novembro surgir espontaneamente em conversa. Vi estes e outros olhos a esbugalharem-se ao longo das várias horas que passei enquanto bom minion vermelho sentada a aplaudir os meus colegas e até alguns que já considero verdadeiros amigos, mas que há dois meses nada mais eram do que completos estranhos que tinham colocado a mesma opção que eu. Apesar de ser sempre referido como um dia inesquecível, senti sempre que havia uma certa aureola de mistério em torno daquele evento, um certo secretismo que, agora, compreendo que só tornou tudo mais mágico, porque quando não criamos expectativas, baixamos a guarda e estamos mais predispostos a deixar ser, a deixar fluir. “Vai um a um? Vou ter que ver esta gente toda? Não podia ir toda a gente ao mesmo tempo para ser mais rápido? Que grande seca”, pensei. Agora a minha opinião é outra, sei que fazia tudo parte do processo, desde não ouvir o nome de praxe a ser proclamado pela Comissão- devido à fraca qualidade do altifalante, não querendo de modo algum desrespeitar tão nobre conjunto de doutores e veteranos- seguido do levantar rápido, o descer aquela pequena inclinação de relva até o tirar as sapatilhas e colocar os pés no frio chão, o olhar para os lados e ver duas pessoas que não me eram nada e que agora são casa. No seu meio caminhei até considerarem que atingíamos a profundidade de água certa para, de joelhos e “de quatro”, levar com água da colher e com alguns chapinhos de água extra, por fim levantei a cabeça e sorri. O sol já se tinha posto, existia um friozinho inegável a trespassar-me, mas o coração estava quente, pois fora invadido por uma rajada de felicidade, daquelas que não se sentem todos os dias, daquelas raras, fugazes, que se costumam associar aos momentos mais mágicos e puros. Durante aqueles instantes nada mais importou, não os olhares de estranhos, não os uivos dos colegas e amigos, não as mil e uma coisas que tinha para fazer em casa ou para a universidade, nem mesmo as angústias associadas a esta nova etapa da vida, até alguma réstia sobrevivente de inibição social foi renegada para segundo plano. Toda a minha energia estava concentrada ali e somente naquele momento e naquelas duas almas bonitas com quem tive o privilégio de conectar nesta minha aventura. Confessemos, esta abstração total só acontece quando experienciamos algo mesmo mágico, certo?

Sofia Barradas


lembro-me que a maioria tinha sacos do lixo por baixo de si, para não sujarem nada. lembro-me de a minha madrinha tirar a capa dos ombros e dizer "podes ficar sobre a minha capa. é para isso que ela serve. para estes momentos."


lembro-me que depois ela sugeriu tirarmos uma foto. eu, toda suja, pousei com receio a alguma distância dela, para não lhe sujar o traje. lembro-me que ela me abraçou com força, e lá tirámos a foto. sujas. eu, ela, e a capa dela. e ficámos assim.



Mariana Cruz


Lembro-me de pensar que nunca me tinha sentido tão feliz por estar completamente suja dos pés à cabeça. E de pensar que nunca mais queria comer piza na minha vida, nunca. E, principalmente, de ter a certeza absoluta de que, por muitos anos que passem, este dia vai ser uma das memórias mais bonitas que vou guardar comigo.



Lara Cândido


Lembro-me que…

finalmente tinha chegado o dia derradeiro; o dia pelo qual eu ansiava com um misto de esperança - por saber que ia ser um marco importantíssimo - e de medo - por não saber exatamente porquê. Lá fomos nós, com a nossa prova mais viva do percurso que temos andado a demarcar desde o primeiro dia (aka a t shirt do caloiro, completamente imunda), para a linha água no Parque Eduardo VII, dando início ao primeiro momento solene da praxe.


Lembro-me que foi incrível do início ao fim: a Comissão Académica de Praxe começou por nos dar a conhecer qual o peso simbólico deste evento - e as implicações do mesmo -, de modo a abduzir, da nossa parte, qualquer ideia de superficialidade ou de irrelevância. E, desta forma, percebi a razão pela qual o batismo seria um marco tão importante: é o dia em que não só passamos de bichos a caloiros, mas o dia em que passamos de miúdos que estavam sozinhos e perdidos para alunos que são simultânea e explicitamente elementos constituintes desta casa - à qual outras pessoas chamam faculdade -, e desta família enorme que tem tantos conselhos, tanto apoio e tanto amor para dar.

Depois desta introdução, cada um de nós teve a honra de ser batizado com a colher da Magnânima Dux, mas apenas alguns é que tiveram a coragem de consumar o seu enorme apreço por este momento, ao renascerem por completo, ao mergulharem inteiramente na água. No entanto, o batismo apenas se deu por terminado após a sessão intensa de emporcalhamento pelos nossos queridos e queridas padrinhos e madrinhas, e que bela sessão foi esta: caloiros que representavam pizzas humanas; caloiros que tomaram o lugar de candeeiros andantes, pela quantidade absurda de glitter com que levaram,… havia de tudo, como se estivéssemos naquelas cenas dos filmes em que começavam uma luta de comida na cantina. Não quer isto dizer que não tivesse sido um momento igualmente marcante, uma vez que tudo isto faz parte da nossa tradição, e é como nós fazemos história no mundo académico: a minha madrinha sujou-me da mesma maneira que foi sujada pela madrinha dela, mas também adicionou um elemento novo - deixando, assim, o seu legado nesta linha histórica e de apadrinhamento que caracteriza a cultura praxista. Assim, enquanto a minha madrinha (e, devo salientar, a melhor madrinha que poderia ter encontrado) me deixou completamente suja de canela, vinho e glitter pelo corpo todo (tendo algum, até hoje, no cabelo), simultaneamente me inspirou e me transmitiu os melhores valores possíveis - abriu-me a porta à casa que é a FDUNL, e fez-me sentir o mais acomodada possível (e deixou-me tomar banho na casa dela).


Assim, durante esta passagem embebida - não só de água, mas de apoio, amizade e amor - entre os padrinhos e os caloiros, senti uma enorme alegria e compaixão por todos nós, caloiros, doutores e veteranos, e, agora, espero pelo momento em que começarei, enquanto elemento decorativo e representativo desta faculdade, a ganhar pó - a espalhar a tradição e o meu legado, como a “condutora sem carta de metro”.



João Coelho


“No dia 17 de Novembro de 2023 deixei finalmente de ser o que era e passei a ser o sou, um caloiro.” Esta brincadeira intelectual entre os tempos do verbo “ser” pareceu-me uma boa forma de começar este testemunho. Não para mostrar que me esmero na escolha de tempos verbais (o que acontece, indiscutivelmente), mas para resumir o que aconteceu naquela tarde, a “tarde mais longa de todas as tardes”, como dizia Ary do Santos (Segunda nota intelectual do texto - e tudo isto com apenas três frases).


Desde o caminho até ao local, ao sal que elegantemente nos atiraram, ou desde o frio que tive, ao conforto quente do abraço da Maria, esta foi uma tarde bonita.


Quando por fim chamaram o nome para mim tinha escolhido, apenas tive tempo de pôr os meus chinelos e caminhar com ela em direção à água. (Nota relevante: Devido ao meu receio (real) de pisar uma pedra que me magoasse o pé e que me imobilizasse para a vida e ao medo (igualmente real) de pés, decidi levar chinelos)


Lembro-me das palmas e dos comentários simpáticos das pessoas que estavam no local. Lembro-me de sentir o percurso meigo da água a passar pela minha cabeça, pelo meu pescoço, pelas minhas bochechas e, por fim, a pingar aos poucos para o lago. Estava finalmente batizado.


Depois disto, estava realmente pronto para que cozinhassem nas minhas costas. E foi o que aconteceu. Enquanto o vinho branco era derramado nas minhas costas ou enquanto a farinha formava um pasta que escorria pela minha cara, a Maria perguntava-me incessantemente se eu estava bem. Estava. Estava genuinamente feliz.


Após isto tudo, a minha madrinha chama-me à parte e dá-me o presente. Lembro-me de estar a tremer de frio, embrulhado na capa dela e de fazer um esforço hercúleo para não estragar o papel de embrulho, para o poder guardar como recordação. Lembro-me de conseguir, por fim, ver o meu presente. E, acima de tudo, lembro-me do que senti quando pude ver o meu presente: uma edição clássica dos Contos, do meu querido Eça, com uma dedicatória que me comoveu e que me comove.


Mal sabia eu, quando estava a caminhar para a Linha d’Água, que o dia ia ser assim.

Ainda bem que não sabia. Afinal de contas, a vida fica interessante com o elemento de surpresa. Quem diria.



54 views

Recent Posts

See All

Lápide

Comments


bottom of page