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Louvor amargo ao platonismo

Uma crítica magoada a Ricardo Reis e a todos os defensores da vida platónica. A todos os que preferem sonhar a viver. Imaginar em vez de sentir. A todos os que, como eu, são cobardes e têm medo de arriscar.

 

“Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.”

Se passamos de qualquer forma, se a nossa existência é efémera e insignificante, porque não fazê-la valer? Viver é sentir cada momento, criar memórias fortes, marcantes, profundas! Porque havemos de nos abster, limitar, auto-sabotar, impedir-nos a nós mesmos de viver e sentir o que queremos?

Não é racional, não é normal.

 

“Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos, Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias, Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro”

Porquê ser menos se podemos ser mais?

Porque é que “não”, se por dentro gritamos “sim”?!

Não quero chegar ao fim e ter apenas para contar tudo aquilo que podia ter feito, mas não fiz. Não quero desperdiçar a minha existência a não fazer o que mais quero. Não consigo admirar à distância, não consigo sentir pela metade. Tenho de viver, sentir, aproveitar, correr, lutar, concretizar. O que é a vida sem ambição? O que são sonhos e objetivos se evitamos cumpri-los?

 

Ricardo, atiraste Lídia ao rio. Sufocaste-a e afogaste-te com ela. Prendeste-a na tua prisão.

 

Ricardo, não concordo contigo. Estou revoltada contigo. E estou revoltada comigo. Não concordo, mas entendo. Não é uma escolha, é uma maldição. Ou será o medo da dor no coração?

 

“Lembrar-te-ás de mim depois Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova, Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos Nem fomos mais do que crianças.”

Mas o tempo passa. Mas já não somos crianças. E o que sobra é a lembrança. Mas a lembrança de quê, se nada houve senão imaginação? Será uma memória vazia, incompleta, insatisfeita, verdadeiramente uma memória? Ou será ela uma mera aspiração, mera marca da nossa cobardia?

 

Nada disto é racional, nada disto parece normal. Mas afinal também eu sou platónica, também eu aprendi “Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas”. Também eu me prendo e me sufoco.

Será isto medo ou maldição?

 

P.S. Este texto não é sobre amor. Este texto é sobre ter medo de viver.


 
 
 

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