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Carolina Cardoso

momentos

Numa noite como esta, a vida para.


Numa noite como esta, a excitação contagiante e extática dos bares e discotecas e dos grupos de amigos alcoolicamente alegres que se passeiam mutuamente pelas calçadas de Lisboa, não é suficiente para me carregar para lá do limite do meu aconchego.


Hoje apenas me deito e penso. Penso no que fui, no que sou, no que poderei ser e poderia ter sido. Enfim, maluquices de um desejo por algo que nunca vem. Quem será o tolo que deseja alcançar o impossível apenas por se deixar marinar no conforto de uns lençóis de algodão? 


Não se deixem enganar. É possível.


Nesta noite não tenho responsabilidades. Não sou eu quem aqui está deitada alheia às horas e ao meu corpo que implora por uma reposição do descanso perdido para os estudos e para a farra. Ou só pela arte do não fazer nada. 


Ouço a minha colega de quarto. Mulher calada que é. Acho que nunca me dirigiu sequer uma palavra que não fosse temperada com o azedume do sarcasmo, e talvez um leve desgosto. Tudo o que sei sobre ela me leva apenas a fazer suposições que se ramificam até ao mais fantástico e improvável. Tudo para encontrar sentido para a existência de um ser humano desinteressante e, francamente, insosso.


Sabemos que o nosso estado é talvez um de delírio quando a mente se ocupa até com a mais insignificante das pessoas em vez de cumprir os seus deveres de central de controlo do ser humano. É inútil? Talvez. Mas é pensamento. 


Leva-me a questionar realmente o quanto vale um pensamento. Como tudo, o tempo que eu gasto a pensar nas futilidades dos pequenos detalhes, é tempo que me escorrega das mãos e nunca mais volta. Poderia estudar, fazer malas e deixar a minha mãe feliz com a minha responsabilidade, mas não. Em vez disso penso. Escolho passar a noite mergulhada nos sombreados e nos contornos da vida. Mas afinal, são eles que lhe dão forma; que a fazem real.


Numa noite como esta, sinto-me viva. Viajo no tempo que escasseia, passam as horas mas para mim já passaram anos! Para a frente, para trás e assim sucessivamente…Olho a vida como um pêndulo. E os carros passam. A porta da minha colega de casa bate em simultâneo com o soar do heavy metal que me enche os ouvidos e me limpa a névoa da rotina atarefada do dia a dia. É verdadeiramente sinfónico, o engrenar do homem e do meio envolvente. Se no decurso da história o ser humano sempre se guiou pela natureza, então agora fá-lo mais que nunca. Uma natureza por vezes adulterada, sim. Mas é a nossa natureza.


Numa noite como esta…estou há horas a vaguear na minha essência à procura de quê? Não sei. Mas sei que numa noite como esta, o fardo do pensamento só chegará quando o chiar incessante do despertador interromper bruscamente a paz de um curto sono.


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