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Aliyah Bhikha

mulheres a ministras - discurso

A, a primeira letra do abecedário, a primeira letra de muitos nomes, muitos nomes simples, ana, anabela, andreia…. aliyah.


aliyah, o meu nome há vinte e um anos, tão simples quanto os outros, mas por vezes reduzido, amolgado e violentado. a minha identidade começa aqui, como me apresento ao mundo, e como tantas outras mulheres se apresentam muitas vezes invisibilizadas e oprimidas.


Nas palavras da grada kilomba, a língua, por mais poética que possa ser, tem também uma dimensão política de criar, fixar e perpetuar relações de poder e de violência, pois cada palavra que usamos define o lugar de uma identidade.


o apresentar ao mundo, define como somos percepcionadas, mas para muitas mulheres negras, nem com uns saltos, camisa ou blazer somos merecedoras de tal respeito. e no cabelo das pessoas negras? já pensaram? às vezes parece que não nos pertence, as vezes que pertence demais, é um símbolo de resistência e revolução, e de opressão e violência. tão bem conheço o cheiro a queimado do meu cabelo a tentar que ele fique liso, para caber dentro dos parâmetros ocidentais e da beleza comercial.


não serei também eu mulher? esta provocação de bell hooks, sobre a qual teorizou o tratamento das mulheres negras vítimas da escravatura, que nos leva a pensar sobre os corpos das mulher negras que foi muitas vezes esquecido durante a luta pela emancipação das mulheres. os estereótipos atribuídos às mulheres, como seres hipersexuais e selvagens, justificou muitas vezes a violência que lhes era exercida, na perspetiva sexista e racista, não se poderia violar alguém que era uma selvagem sexual.


não serei também eu mulher? quando exijo o mesmo respeito, a mesma dignidade e as mesmas oportunidades.


não seremos todas mulheres? a emancipação das mulheres tem que se interseccional, não pode ser separada das questões económicas e não pode esconder-se na crítica ao capitalismo, a emancipação nos termos do patriarcado capitalista branco, não serve as mulheres negras, ciganas, imigrantes, trans, queer, nem as próprias mulheres brancas, nas palavras de audre lorde, não serei livre enquanto alguma mulher não o for.


então onde estão as mulheres negras? a limpar as escolas, o parlamento, os ministérios, as casas dos ministros, a suportar a sociedade na qual vivemos.


no fundo é esta a história que querem que seja das mulheres negras, são o cimento e a pedra que dão a estrutura ao sistema, são quem se inquieta e combate, são as que não são vistas, são as que não são escolhidas para ocupar lugares de destaque e poder, e quando os ocupam, são usadas e silenciadas, como um pin na lapela, um biombo na sala, um mero adereço.


mas nós existimos, resistimos e reclamamos,


estes espaços também são nossos, tantas que os ocupam, e esquecemos de as nomear, e todas elas tem nome e sobrenome,


beatriz gomes dias, joacine katar moreira, romualda fernandes, francisca van dunem, cristina roldão, aurora almada, e tantas outras que não são a primeira nem a última, nem são as protagonistas políticas da nossa história mas que deixam o seu legado e contribuem diariamente para a sociedade.


e quantas de nós conhecem a virgínia quaresma, georgina ribas, titina silá, josina machel, amelia araujo.


Todas elas participaram na construção de uma sociedade que não as reconhece como delas, foi sobre os ombros destas mulheres que a esta sociedade foi construída.


Elas pensaram, construíram e imaginaram lutas coletivas, onde todas, mas todas as mulheres fossem vistas, ouvidas, reconhecidas e lembradas.


a luta feminista não pode obedecer a hierarquias que reproduzem o patriarcado, em que as mulheres negras são subalternizadas na luta. a sororidade, permite-nos chegar mais longe, e despatriarcalizar as nossas insittuições.

de mulheres a ministras


Já imaginaram um governo liderado por mulheres? onde existe uma primeira ministra, onde se pensa e constrói políticas públicas que combatem as múltiplas desigualdades a que as mulheres estão sujeitas, e apresentam soluções com impacto, onde combatem a feminização da pobreza.


onde existe uma política de habitação pública que garanta uma casa para quem precisa, sobretudo para as famílias monoparentais, lideradas por mulheres, que muitas vezes são vítimas de violência doméstica, e que estas tenham o direito a uma casa e não o direito a ganhar uma casa na loteria dos concursos públicos.


e tantas outras políticas públicas que podiam ser implementadas, mas vivemos num país que se recusa a conhecer a sua composição etnico-racial. como é que sabemos que as jovens negras vão para o ensino superior, como é que sabemos que as juízas negras estão nas altas instâncias dos tribunais, como é que sabemos a constituição das nossas prisões, como é que desenhamos políticas públicas sem saber onde criar e para quem criar mecanismos que garantam a mesma igualdade de oportunidades.


eu imagino uma sociedade, onde as mulheres, sejam elas negras, imigrantes, trans, queer, estejam nas instituições de poder.


e que estas instituições de poder, não continuem o ciclo de planos e projetos e recomendações que nunca são concretizadas.


é da radical imaginação das mulheres negras que vos falo hoje, e que me permitem todos os dias levantar e continuar a lutar por um país melhor.

e acabo com um poema da maya angelou:


‘’You may write me down in history

With your bitter, twisted lies,

You may trod me in the very dirt

But still, like dust, I'll rise.’’



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