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Isabel Costa

O choque de estar conformado

“Só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, habitação, saúde, educação”

-Sérgio Godinho


Em 1974, Sérgio Godinho escrevia estas palavras; hoje, os representantes de múltiplas Associações de Estudantes juntam-se para as concretizar.


Na sequência do apelo ao Reforço da Ação Social comunicado pela Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, os representantes das Associações de Estudantes da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Faculdade de Ciências e Tecnologia e da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, da Faculdade de Letras e da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, da Escola Superior de Teatro e Cinema e do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território reuniram-se para discutir e apelar ao reforço da Ação Social no Ensino Superior, essencialmente no âmbito das bolsas, das cantinas e do alojamento. Porém, à concretização desta reunião opuseram-se os habituais problemas de uma Direção que nada pretende alterar: à última da hora, o auditório que compreendia centenas de estudantes foi substituído por uma pequena sala nos confins do edifício.


Este reforço demonstra-se essencial para garantir uma verdadeira igualdade de oportunidades no ensino superior, pois, embora o concurso nacional de acesso seja isento de discriminações, a alienação dos estudantes com menos recursos é visível ao longo de todo o percurso académico. É clara e indiscutível a necessidade de combater estes problemas que preconizam uma elitização deste que é, supostamente, um direito de todos e, consequentemente, restringem a sua universalização.

Estudantes de passados e presentes diversos, de Universidades diferentes e de áreas distintas, mas com problemas e reivindicações comuns; a falta de qualidade nutricional das refeições servidas, a falta de cantinas sociais e, quando existentes, as longas filas destas, a insuficiência de lugares para todos os estudantes, o apoio psicológico inexistente ou insuficiente, as más condições das estruturas, a falta de alojamento e a situação precária das residências, os atrasos das bolsas e o subfinanciamento das mesmas, a negligência das necessidades dos estudantes com necessidades especiais e a falta de professores são protestos coletivos destes estudantes.


Numa nota mais pessoal aos estudantes de Direito, o Presidente da Associação de Estudantes, Luís Miranda, aponta as precárias condições do alojamento em Campolide, com 180 camas para milhares de estudantes, que se viram obrigados a viver 3 dias sem água quente e aquecimento, em quartos diminutos; reforça também a necessidade de mais salas de estudo, lamentando a substituição do conhecido “Aquário” por duas salas muito menores sem as condições essenciais para um dia de estudo prolongado, especialmente noturno; adicionalmente, destaca as pobres escolhas alimentares presentes na cantina social, que impossibilita uma alimentação nutricionalmente completa e deixa dezenas de estudantes vegetarianos sem um prato que os sacie. Ainda nesta nota, refere que o bar da faculdade encerra às 18h, não obstante o facto de múltiplos estudantes continuarem em aulas até às 22h, vendo-se estes forçados a alimentar-se de café e bolos das máquinas automáticas.


Referindo uma das principais medidas do programa eleitoral, salienta o facto de apenas existirem 2 psicólogos, que não estão em regime de exclusividade, para 1300 estudantes; realça também a falta de representação dos estudantes nos órgãos da faculdade e a consequente necessidade de revisão do RJIES e do regime fundacional.


Assim, apela a que se deixem as meias soluções da Direção, apoiadas na transferência para Carcavelos (a qual ainda não foi discutida com os estudantes que serão alvos da mesma), que em nada resolvem os problemas atuais dos estudantes, e que estes se mobilizem contra as condições existentes, não se conformando com as mesmas.


Mas, no meio de tantos problemas, quais são as soluções?


Ora, para todos os representantes presentes aparenta não existir uma poção mágica que os elimine, o que funciona e tem funcionado ao longo dos anos é a resistência e a persistência dos estudantes; é através de abaixo-assinados, protestos e concentrações nas respetivas faculdades, é através da consciencialização e mobilização dos colegas e através da manifestação das exigências nas ruas, especialmente no tão acarinhado 24 de março, o dia em que milhares de estudantes se juntam e saem às ruas para relembrar que, tanto em 1962 como atualmente, a verdadeira mudança só é conquistada quando não nos conformamos e exigimos o que é nosso por Direito.


Mafalda, presidente da Associação de Estudantes da FCSH, brinca com a expressão “o choque de estar conformada”, ou seja, com o facto de ficar chocada quando se apercebe que ela, tal como muito outros estudantes, se tornaram indiferentes e normalizaram as más condições; brinca que chocante não é ter uma barata na cantina, mas sim estar habituado ao ponto de já considerar isso algo normal.


Vemos um paralelo na nossa própria faculdade, "Mais uma da nova escola da lei" tornou-se um lema acarinhado e jocoso para definir as condições precárias que nos são opostas diariamente. Esta expressão prevê a normalização de sucessivos infortúnios e situações, que não são meras peripécias de uma instituição de renome, mas sim a divulgação da indiferença para com as necessidades basilares dos estudantes e a consequente preterição das mesmas.


Perante toda esta conjuntura, o que nos resta fazer?


A História já comprovou que só as vozes, em uníssono, de todos os estudantes são capazes de produzir mudança efetiva e duradoura, assim, resta-nos continuar a lutar e a resistir para que mais nenhuma destas ocorrências se normalize e para que o ensino possa ser de todos e para todos.


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