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André Sequeira

O fogo efémero

Vivemos a vida a correr contra o tempo. Falamos, andamos, escrevemos e dormimos como se estivéssemos sempre com falta de tempo, como se a qualquer momento esse relógio cujos ponteiros se mexem vagarosamente ao longo da vida explodissem amanhã e o relógio simplesmente deixasse de funcionar e nunca mais nos conseguíssemos mexer. Mas ao corrermos contra ao tempo, abdicamos da degustação dos seus sabores, não o tratando como o luxo que ele é. Há quem diga que correr contra o tempo é reconhecer exatamente essa delicadeza e luxuria que é ter tempo. Se temos tempo, devemos preenchê-lo ao máximo, viver ao máximo, fazer tudo o que conseguimos dentro das limitadas 24 horas que o nosso pequeno dia tem. Assim, segundo esses maratonistas, é que se vive realmente.


Mas, de repente, um dia estamos livres por um momento e encontramo-nos diante do espelho. Os nossos olhos estão carregados de círculos negros por baixo, talvez tenhamos perdido ou ganho excessivamente peso sem sequer nos apercebermos no meio da ânsia de viver, as rugas da nossa cara estão mais acentuadas, já não sorrimos da mesma maneira, o brilho da ambição que rugia fortemente nos nossos olhos agora apenas uma pequena brasa. O fogo ardeu vivamente e agora já não tem como se sustentar, já não tem combustível para reacender essa chama que vive dentro de nós. Tudo porque deixamos o fogo arder demasiado forte até que ele se apagou e apenas nos restou a memória da sua glória. Já não corremos contra o tempo, agora vagueamos nele. Perdeu-se o sentido, perdeu-se a causa. A causa é antiga, já não se mantém. O sentido é outro, já não o conhecemos. E agora que andamos, andamos em linhas incertas, linhas que não têm um princípio ou um fim, na esperança de encontrarmos de novo o fio condutor, o rastilho que vai reacender de novo o fogo que pode voltar a arder em nós.


Mas para tal, para que o fogo continue a arder, é preciso cuidar dele, amá-lo, apreciá-lo, não o tomar como um dado adquirido. Esse fogo é efémero, tal como a vida é efémera, as relações são efémeras e nós somos efémeros porque a grande condição da existência humana é a sua efemeridade. Então se é efémero, há que fazê-lo durar o máximo possível, para que se possa olhar para trás um dia, quando as pernas pesarem, as pálpebras estiverem a fechar, o ar já for pouco e a vontade já não for existente, e poder dizer com toda a certeza e clareza do mundo, num último suspiro: eu vivi.


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