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Francisco Jesus

O jogo das cadeiras da Universidade Nova de Lisboa

Reza a lenda, num mundo muito longínquo, havia um rei com uma promessa de melhorar o seu reino. Basicamente, o Rei tinha muitos terrenos, e não sabia o que com eles haveria de fazer. No entanto, sabia uma coisa: queria mudar todos os seus habitantes de terreno, não vão eles enjoar-se do sítio onde vivem.


O mundo muito longínquo, é o nosso. E o Rei, a Universidade Nova de Lisboa. O ano era 2018, e seria inaugurada a nova Nova School of Business and Economics – com as espectativas de ser “a Escola do Futuro”, citando o então diretor, Daniel Traça, numa entrevista à Dinheiro Vivo. Começava assim o jogo das cadeiras, sendo o primeiro jogador a NOVA SBE, que trocou Campolide por Carcavelos, leiloando aos investidores privados partes da Faculdade, aproveitando-se do ego de quem as pode pagar, apenas para poder dizer que têm uma biblioteca, ou um auditório em seu nome.


No entanto, havia um problema óbvio: apesar da SBE ter mudado de ares e de se ter instalado a dois passos da praia, deixou para trás a Residência Alfredo de Sousa que, ironia das ironias, tem o seu nome em homenagem ao fundador da Faculdade de Economia. Mas, nada temam, porque foi instalada uma residência à porta do campus! No entanto, na tradução da SBE para o inglês, o Social em Alojamento Social caiu, e os estudantes terão de arrendar quartos que começam nos 700€ mensais, uma subida de 56% comparada com o quarto mais caro na residência de ação social. A alternativa será manterem-se junto ao seu fundador, na Residência de Campolide ou na Residência do Lumiar, ambas a sensivelmente uma hora e meia da “Nova way of life”.


Na verdade, não foi só o Alojamento que perdeu o Social, mas a Alimentação também viu o seu removido, quando os surfistas largaram a citadina Cantina de Campolide, e abraçaram a zona de restauração da SBE, onde dificilmente se come por 2,79€.


Infelizmente, a SBE não seria caso isolado, e em 2019 é anunciada a migração das Faculdades, perdão das Schools, de Medicina e Direito: a Nova Medical School e a Nova School of Law, que largam os estetoscópios e a Constituição para agarrarem a prancha de surf.


A primeira, larga o velho Campo Santana, que nunca teve condições para uma Universidade, quanto mais de medicina, e emigra para Cascais, numa parceria com – pasmem-se – a CUF Saúde. Mas não há problema, como o que não faltam por aí são médicos que querem vir para o SNS, podemos dispensar os graduados da NMS. Só que não. Mais uma Nova School que abandona a sua casa. Esperemos ao menos que seja uma mudança para o melhor, tendo em conta que viver numa casa degradada e que só garantiu refeições de ação social há menos tempo do que eu me encontro na universidade, não é fácil.


A segunda. Ai, a segunda. Foi em setembro que passei a chamar a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa a minha casa. E foi em setembro que me apercebi que, como tudo na vida, não era um mar de rosas. Atualmente, estamos sentados na nossa cadeira. O nosso campus. A nossa casa. Mas, no entanto, a nossa casa não é perfeita. A nossa casa tem 3 salas de aulas, uma sala de audiências e 2 anfiteatros. Para 5 turmas de licenciatura – duas de primeiro ano, e uma de cada um dos anos restantes – 9 mestrados e um doutoramento. Isto significa que muitas das vezes, as aulas são dadas nas Salas do Colégio Almada Negreiros, e mesmo que nos digam que dele fazemos parte, é como irmos jantar à casa do vizinho e ele dar-nos umas pantufas e dizer-nos para nos sentirmos em casa. Temos uma sala de estudo, em que não cabe um quarto de uma turma e que está fechada aos fins de semana, tendo que recorrer a outros espaços na cidade.


No entanto, aqui venho eu reclamar da nossa ida, da nossa participação no jogo das cadeiras, já que querem à força toda que me torne um advogado-surfista. Levanto vários problemas com esta mudança, mas acho que o mais relevante é a incerteza. Esta mudança foi anunciada em 2019. Para referência, os colegas que começaram a Licenciatura em Direito em 2019 serão finalistas no próximo ano letivo. É duro começar um curso sem saber se irei ou não receber o meu diploma salpicado com a água do mar. Surge então outra coisa que me incomoda: não quero estudar numa faculdade que leiloa os seus espaços, trocando homenagens que poderiam ser simbólicas e significativas, por investidores que ajudaram a pagar os espaços. Não estou interessado em ter aulas no PLMJ Auditorium ou estudar na Abreu Library. Terei tempo para o fazer se lá trabalhar. Não me interessa uma faculdade que seja trendy, e que tenha supermercados cashless, e que tenha restaurantes maravilhosos, se não houver um prato de ação social, se não houver habitação estudantil social e viável. Não me interessa a mim, e não interessa os estudantes.


Ao longo deste artigo, referi já 2 cadeiras abandonadas, ou que o serão, na zona de jogo de Campolide. No entanto, 3 restam: a NOVA IMS, Information and Management School, a Reitoria da Universidade, e a Residência Alfredo de Sousa. Está na hora de falarmos sobre quem as vai ocupar. No dia 27 de abril de 2021, na Cerimónia do Campus de Campolide, foi anunciada a venda dos edifícios da NOVA FCSH: surpreendentemente a única que não tem nome pomposo em inglês. Ora, com a venda destes espaços, foi anunciada a migração da FCSH para Campolide, que começou a ser feita gradualmente. Até à data, duas das 14 licenciaturas trocaram as torres de Berna pelo castelinho amarelo: Sociologia e Ciência Política e Relações Internacionais, assim como alguns centros de investigação, a biblioteca e parte da Divisão Académica. Tenho de dar o devido mérito à FCSH, por disponibilizar um shuttle gratuito Berna – Campolide, mas é o único mérito que lhe posso dar, porque se levantam inúmeras questões com esta mudança, sendo a principal a mesma da Faculdade de Direito: ninguém sabe se vai acabar o curso na Avenida de Berna, ou no Campus de Campolide. Ou até outras, como a distância física do seu próprio campus, afastados da Associação de Estudantes e da restante Faculdade.


Entretanto, nessa mesma cerimónia que há pouco referi, foram anunciados 2 novos empreendimentos no Campus: a expansão da NOVA IMS, e a construção de mais um edifício para albergar a NOVA FCSH, que começariam a ser construídos no ano passado, mas que até agora não passaram apenas de um oásis. Espero firmemente que, pelo menos, esta construção contemple uma sala de estudo 24 horas para reposição do “Aquário”, que foi retirado aos estudantes através de uma decisão autocrática de lá instalar a NOVA Desporto. Não há problema: não estudam, mas façam um pilates ou uma sessão de yoga e isso passa.


A Reitoria. Alojada agora no que é o maior edifício do Campus de Campolide, também abandonará a sua cadeira. Faz as malas, e emigra para o Campo Santana, deixado vazio pela Medical School. Mas, então, o que se faz com o edifício da Reitoria? Um edifício relativamente novo, completamente desadequado para ser utilizado como um espaço de ensino, que conta apenas com 2 auditórios fantásticos, exceto para os alunos, que só os usufruem em eventos da sua Faculdade, a não ser que os aluguem. Esperemos para ver. Agora, se há coisa positiva que saiu destas mudanças, foi que ficando em Campolide ou migrando para Carcavelos, estarei longe do local onde estas decisões estão a ser tomadas.

Não nos devemos esquecer da NOVA que reside do outro lado do Tejo, a NOVA FCT, ou agora NOVA SST: NOVA School of Science and Technology. Choca-me francamente que não tenha sido sugerida a mudança desta que é a maior Faculdade da UNL. Mas não foi esquecida, por azar. Ainda que se mantenha do outro lado da ponte, há planos para a NOVA FCT, e são no mínimo ambiciosos, no máximo irrealistas. Numa entrevista para o Diário de Notícias, o Vice-Reitor para a área do desenvolvimento José Ferreira Machado, explicou todo este jogo de cadeiras, intitulado Campi 21, e contou ao público a “cidade” que planeia construir na Caparica. Surgiu a ideia de montar um empreendimento monstruoso, que segundo o vice-reitor, “é 18% superior à área de intervenção da Expo"98”. O problema, lá está, é que este empreendimento pode servir os interesses da Universidade, mas não serve o dos estudantes. Na mesma entrevista, o vice-reitor refere que já estão a intervir na FCT, criando uma residência de estudantes – não de ação social, porque já têm uma com 300 camas para 8000 alunos e, portanto, podem concessionar a privados e fazer mais lucro, obrigando os estudantes a, das duas uma: a batalhar por uma cama da Residência Fraústo da Silva, ou a abrir mais o bolso, que já está aberto o suficiente, para poderem ter uma habitação digna que não seja em cascos de rolha. A outra construção que já foi efetuada foi: não uma biblioteca, não uma maior cantina, mas um supermercado de grande superfície. Assim se vê, mais uma vez, as prioridades da Universidade.


Termina assim o jogo das cadeiras da UNL. Quando comecei a pesquisar sobre estas mudanças, fui ficando progressivamente mais confuso com toda estas trocas. E cada vez mais, estou mais ciente que quem está a fazer estas mudanças também começa a ficar confuso com os espaços que estão ou não ocupados, e onde é que ainda pode mandar construir. Universidade que me és tão querida, ouve o teu staff e os teus docentes, mas principalmente: ouve os teus estudantes. Pergunta, e ouve as respostas. Ninguém, absolutamente ninguém, te vai responder que estes planos de construção desenfreada são a solução. Enquanto instituição pública, serve os estudantes e não os investidores. Podem ser eles que te pagam as contas, mas não são eles que te dão os rankings de que tanto te orgulhas. Enquanto aluno, não te peço muito. Peço o mínimo. Habitação social e digna, alimentação social e decente, e condições boas para estudar.


Dizer que vamos inovar, e que vamos expandir, e que nos vamos tornar uma das maiores Universidades do país, pode ficar muito bonito nas redes sociais. Convém é anunciar que a inovação não vem associada à melhoria do bem-estar dos estudantes. Quando se dá um passo maior que a perna, 10 em cada 10 vezes não corre bem. No início do meu percurso Universitário, na NOVA Direito, disseram-me que iria tornar-me um “agente de mudança”. Se as mudanças são estas, está na hora de repensar a minha formação.


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