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Tiago Monni

O Mal de Cortar pela Raiz


Os valores fundamentais e originais do Homem estão em perigo.


O indivíduo vem ao mundo direcionado para o bem e para a vivência em sociedade e nasce com a graça* necessária para trilhar o seu respectivo caminho pessoal consoante os valores fundamentais destinados à realização da sua autonomia e evolução pessoal, assim como dos interesses e necessidades da coletividade. Cada um nasce, portanto, ser autónomo e ser servo. Autónomo pois deve ser ativo e atuante na sua esfera pessoal, almejante de objetivos que conduzem à felicidade própria, e servo na medida em que vem a um mundo cujo um dos elementos apriorísticos é a sociedade, e que, por isso, deve conduzir as suas ações e pensamentos ao cumprimento do bem-estar social.


Um jovem da geração Z observaria o parágrafo acima e, estonteado e confuso, questionaria, possivelmente de forma coloquial, como ele pode ter nascido com tamanha responsabilidade e compromisso, destinado já a tantas coisas e criado, de certo modo, badalado e solene: ‘’Isto está a parecer um emprego, mesmo bebé, já tenho compromissos, metas e objetivos? Que medo, que tão grande medo’’. A verdade é que mesmo a chupar o dedo na mais tenra idade ou a se preparar para entrar no mercado de trabalho, o indivíduo possui a mesma constituição interior original, que é constante em função do tempo, presente até o último respiro. É pura em sua conceção, mas deve ser resiliente e persistente com o passar do tempo; isto porque o crescimento é um fator problemático, deixa a interioridade à mercê de rastos viscosos e de feridas provenientes do exterior capazes de danificá-la profundamente, de deteriorações que são traiçoeiras pois alteram a imagem do indivíduo perante a sociedade e encobrem a verdadeira graça, embaçam as lentes dos óculos utilizados pelos outros; concedendo, por conseguinte, razoabilidade ao questionamento do jovem do século XXI.



Agora a mãe de um jovem da geração Z, nascida na década de 70, exclama: ‘’o meu filho enquanto bebé era tão bonzinho e carinhoso, estava sempre a sorrir, agora é apenas rebelde e agressivo, tornou-se apenas mais um daqueles jovens deslocados e insurgentes que não canso de ver em outras famílias, parece que perdeu o seu caminho”; ele, na verdade, ainda é BOM, ainda tem um caminho próprio a percorrer; isto só não aparenta, não está escancarado nos seus olhos, pois está oculto pelas degradações do devir da vida, que podem, não se engane, partir de influências externas ou de ações do próprio indivíduo, contribuintes para a sua própria autofagia, embebidas de um certo obscurantismo pairante a todos e estranho ao solene e fascinante momento da criação.


Nesse sentido, os valores fundamentais intrínsecos aos indivíduos sofrem e deterioram-se através de pequenos e constantes hematomas em seu invólucro. Já agora, no entanto, não releva aqui a definição dos valores fundamentais, pelo simples motivo de que já estão interiorizados a todos, e de que é dever do indivíduo encontrá-los, fazê-los reluzir e transformá-los em seus ‘’estandartes espirituais” (modelos de ser e de pensar); contudo, se fosse possível exprimi-los de acordo com a sua devida posição imaculada, eles se manifestariam como as distintivas bases de sustento do bom e próspero convívio social, sendo, concomitantemente, disciplinadores e libertadores, complexos e inteligíveis, fundacionais e constantes, universais e únicos conforme o especial caminho individual. Dessarte, entende-se, por essa panóplia de qualidades, a sua magnitude, o seu poder e o seu caráter distintivo, e, consequentemente, que o confronto e o dano dirigido a eles representariam a mais pura antítese da composição original do Ser Humano, um némesis do seu âmago, portanto, uma ameaça à sua existência.



Levanta-se, então, o seguinte questionamento: foi-nos sempre ensinado o não agredir, mas nã agredir o quê? Quem é o objeto? Apenas as pessoas ou também tudo aquilo que nos faz como indivíduos agraciados? O constante vilipêndio do verniz moral que molda o ser humano em sua essência é talvez a mais grave das agressões, ao mesmo tempo que idiotiza o indivíduo, o esvazia de sentido, corrói os seus fundamentos e retira a sua esperança; ainda por cima acontece de forma velada, em que a pessoa, da mesma maneira que se cobre por uma quantidade excessiva de maquiagem para tentar disfarçar as suas supostas desarmonias faciais, recorre a mecanismos de defesa, a ‘’armaduras’’, com a finalidade de enturvar este vilipêndio, recorre ao ‘’está tudo bem’’ enquanto está a decorrer um choro silencioso ou, principalmente, recorre a formas exóticas de externalização que se configuram como ilusões inverosímeis de relevância e atuação face ao vazio existencial humano.


Então, para uns, os valores fundamentais são valores insondáveis por uma prática reiterada de negligência à originalidade e a tudo o que foi estabelecido no momento da criação, enquanto outros, felizmente, os levam como guias de conduta e determinantes para a vida, os seus ‘’estandartes espirituais”. Se és o primeiro, rezo com força para que busque, custe o que custar, a tua graça e que a acenda como uma labareda ardente presente em teu coração, mas se és o segundo, não te envergonhes e a despeja pelos caminhos do Mundo, transmita-a àqueles que a desconhecem ou que a perderam, faz bom uso do teu gregarismo natural e vai ajudar os outros. O teu rasto também se pode concretizar na espiritualidade dos outros como um meio de salvação; ele não é apenas individual e, desde sua concepção, não é suposto que seja.


i* Maior dádiva posterior à vida, Guia suprema de todas as ações e pensamentos de um Ser Vivo

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