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Joana Moreira

Onde almas se perdem

Naquele dia fui à praia. Não foi planeado, não tinha qualquer esperança de ver o mar, as suas ondas que agitam a alma e o som delas que acalma os dias mais turbulentos. Não estava calor, mas o brilho do sol justificava a tentativa. Foi de estranhar, especialmente considerando que dias antes estivera numa praia vizinha, repleta de águas calmas onde, apesar das esperanças que flutuavam em cada onda mal arrebentada, no fundo dos seus mais profundos mares, encontravam-se as mentiras enterradas. Um dia tentei visitar essa costa distante, para recordar aquilo que no passado tive medo de conhecer. Corri o risco. Mas o risco é que acabou de correr com pedaços meus e levá-los para onde jamais os reencontraria.


Mas, se a vida é feita de riscos, deixaria aquela praia fazer-me perder o amor por cada onda agitada, por cada sensação que sentia ao tocar naquela areia suave? Não seria isso perder o amor por amar?


Desta forma, naquela quarta-feira 13, decidi colocar os pés na beira-mar novamente.


Numa areia diferente, desconhecida. Estava receosa no início, até disse para mim mesma para dar cada passo calmamente de forma a não me magoar. Mas, assim que te afeiçoas a algo diferente, acreditas que finalmente encontras o lugar a que pertences. E que bom que foi, cada passo, cada corrida que fiz naquele areal. Neste não seria um “apesar”, mas sim “felizmente” que a areia fosse diferente. De facto, voltei lá todos os dias, e quando não estava lá só pensava no nervosismo que sentia por cada vez que a voltaria a ver. Mas era sempre tão bom.


Até que, numa noite, tudo mudou. As ondas pareciam calmas de início, o céu estava limpo. Viam-se lindas estrelas, como que a formar uma linha para o horizonte, em direção ao além. Contudo, só se começa a ver a areia a estar cada vez mais próxima, e aquela água cada vez mais distante. Aquela areia que outrora gostara, que não me magoara, agora me feria a cada passo em direção à água que se afastava. Tentei saltar para evitar a dor, mas não valia a pena. A cada passo que dava, a cada sobressalto só sentia cada vez mais os picos, os vidros estilhaçados, as beatas a queimarem-me. Mas logo compreendi que, por cada passo que desse, a água nunca estaria mais perto de mim. Não valia a pena. A areia ficaria cada vez mais áspera, e a água cada vez mais distante.


Não há nada a fazer. Na realidade, aquele litoral que outrora amei encheu-se da areia que noutros tempos cuidou de mim, e o mar cada vez mais calmo, mais calado, já não era algo radiante. Na realidade, era um tsunami, para o qual a única saída seria perder a esperança de voltar a qualquer dia pisar uma praia.



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