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Beatriz Rodrigues

Os anos não olham para trás

Quase todos já sentimos o sufoco que é ver a vida a escorrer-nos pelos dedos. Fazemos contas de cabeça, calculamos os anos que faltam para chegar aos 20, aos 30, aos 40, somamos os que ficam para trás e subtraímos os que nos restam. E quando já não temos o que subtrair, apercebemo-nos que vivemos com uma certa obsessão por toda esta precisão matemática. Um hábito e uma insistência que nos persegue e nos tortura de dentro para fora.


Repetimos as contas, ano após ano, enquanto cobiçamos o que fica para trás. Não é por acaso que Fernando Pessoa escrevia incessantemente sobre a infância: é nela que residem as memórias das quais somos forçados a despedirmo-nos. Vemos os anos a fazer as malas e a partirem, após nos terem envolvido e despedaçado o coração e a alma. E quando o presente se torna demasiado penoso, olhamos para trás, na esperança perdida de reencontrá-los. Esquecemo-nos, inocentes, é que os anos não olham para trás.

Refletimos neles o que fomos e eles refletem o que já não somos.


Voltamos a contar pelos dedos reticentes quantos anos estão por chegar, encarando com puro desalento aqueles que se juntam à soma. Atormenta-nos a consciência de que, quanto maior for o resultado, mais responsabilidades teremos de assumir. Mas aqueles que ainda procuram pelos anos que se foram, riscam essa palavra do dicionário com tinta permanente. Tememos a existência futura como um fardo, que nunca nos pesou nem nunca carregámos às costas. O ser humano incorre assim numa circularidade implacável em si mesma: olha para trás para, de seguida, olhar para a frente, vezes e vezes sem conta possível.


Mas a verdade é que por mais que revolvamos e voltemos a revolver, não temos um vira-tempo que nos permita reviver o que outrora foi vivido e que não pode ser repetido. Vinte, trinta, quarenta voltas ao sol não tornam uma pessoa menos digna de viver, mas insistimos em andar no sentido contrário aos ponteiros do relógio. Fazer tantas contas reduz o verbo “viver” ao absurdo e ao ridículo, esmaga o seu sentido, torna a existência numa ampulheta efémera que faz tremer o chão onde pousamos os pés.


Não é só sobre viver o presente, nem nunca foi: é sobre deixar de viver um passado que não conseguimos reviver.

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