top of page
Writer's pictureJurpontonal Nova Law Lisboa

Os Conservadores e o 25 de Abril

O 25 de Abril faz parte do panteão dos dias que mudaram a História de Portugal. Tal como o 1.º de Dezembro (de 1640), o 1.º de Novembro (de 1755), o 5 de Outubro (de 1910) e o 28 de Maio (de 1926) antes dele, também o 25 de Abril (de 1974) estabeleceu um corte na maneira como as pessoas comuns percecionam a história do país. No imaginário popular, há um antes do 25 de Abril, e há um depois do 25 de Abril. Utilizo a expressão “no imaginário popular” porque, como nos mostra a historiografia, existem sempre continuidades entre o antes e o depois nos grandes acontecimentos históricos, desde a queda do Império Romano do Ocidente até à queda do Muro de Berlim, e além. Eu mesmo vou referir algumas dessas continuidades no caso do 25 de Abril, mas faço já um aviso: isto não é, nem tem pretensões de ser, um texto de historiografia. É um texto político, com uma proposta de interpretação do passado à luz de uma corrente política: o conservadorismo.


A direita, onde se inserem os conservadores, tem tido, de há uns anos a esta parte, uma relação ambígua com o 25 de Abril. Com a chegada, em 2015, do governo da “Geringonça” ao poder, intensificou-se uma narrativa que tinha começado a circular nos anos da PAF: a de que a direita, pela sua própria natureza e ideias, é inimiga do 25 de Abril, e jamais poderá ser conciliável com ele. Num país onde a imagem que a direita tem de si é criada pela esquerda, não demorou muito até que os protagonistas políticos do PSD e do CDS aceitassem os novos papéis que lhes foram destinados. Assim se cristalizou uma narrativa que, na altura, permitiu à “Geringonça” reverter as políticas do governo anterior (ou, pelo menos, parte delas), e que hoje permite ao governo PS deslegitimar e ostracizar os partidos da oposição à sua direita.

Mas será a direita mesmo incompatível com o 25 de Abril? Não existirá, no 25 de Abril, nada que a direita, e os conservadores em particular, possam e queiram conservar? Estas são perguntas de suma pertinência, às quais se deve juntar uma outra, um pouco mais abrangente: o que é e o que significa o 25 de Abril? Neste artigo, tentarei dar resposta a estas perguntas, começando pela última.



Um Dia ou Um Processo?

O dia 25 de Abril de 1974, como qualquer outro, começou à 00:00h e terminou às 00:00h do dia 26. Sobre isto não há discussão. O que se pretende saber é se os acontecimentos que tiveram lugar nesse dia, particularmente a desagregação do governo Marcello Caetano e o fim do Estado Novo, podem ser vistos como acontecimentos isolados, desgarrados de todo o processo revolucionário que se seguiu, ou se, pelo contrário, o dia 25 de Abril apenas pode ser visto e considerado à luz dos acontecimentos que desencadeou e que culminaram no dia 25 de Novembro de 1975?


Para um conservador, o 25 de Abril tem de ser necessariamente visto como um dia isolado, que marcou o fim de um regime autoritário. Porquê? Porque o valor da liberdade, o valor essencial a preservar do 25 de Abril, está concentrado nesse dia. Do dia 26 de Abril até ao dia 25 de Novembro de 75, o país entrou numa espiral revolucionária, o chamado PREC, que ficou marcado por uma descolonização feita à bruta – com todas as consequências que se conhecem, desde o drama dos retornados, passando pelas execuções sumárias de ex-militares afro-portugueses por parte dos movimentos independentistas, particularmente na Guiné, e chegando às guerras civis fratricidas em Angola e Moçambique, que culminaram em regimes de cariz iliberal, para usar uma formulação simpática -, por uma reforma agrária que destruiu a produtividade das melhores terras do Alentejo, por tribunais populares, onde o assassinato de um “patrão” não era visto como crime, e, também, por prisões e perseguições políticas em todo o país, que quase levaram a uma fratura Norte-Sul e por pouco não conduziram Portugal a uma guerra civil. Ora todas estas vicissitudes e valores enformam o 25 de Abril “Processo”, cuja defesa, nada inocente, está nas mãos das nossas esquerda e extrema-esquerda. Para esta área do espectro político, a Revolução dos Cravos abriu uma porta ao tipo de regime socialista então em vigor na Europa de Leste, porta essa que foi fechada, quase definitivamente, pelo 25 de Novembro de 75. Esta composição histórica, de uma revolução comunista abortada em que os seus principais líderes não foram saneados e puderam integrar-se no regime democrático, gerou na nossa esquerda uma visão esquizofrénica, ao mesmo tempo revolucionária – o continuarem a sonhar com os “amanhãs que cantam” – e reacionária – o desejo profundo e amplamente difundido de “cumprir abril”, quase 48 anos depois do 25 de Novembro ter acabado com o sonho da “Cuba da Europa” -, que não pode, nunca, enquadrar-se na cosmovisão da direita.


Avesso às revoluções por princípio, e defensor das reformas por natureza, o conservador deve aplaudir o derrube não violento de um regime autoritário que, apesar de todas as promessas da Primavera Marcelista, nunca se soube liberalizar/reformar. Teria sido certamente preferível um processo “à espanhola”, com uma reforma constitucional profunda. No entanto, e tendo em conta a conjuntura política, a forma como as coisas aconteceram e os valores germinados no 25 de Abril “Dia” são perfeitamente compatíveis com uma visão de mundo conservadora.



Valores Conservadores, Valores Para o Futuro


Quais são os valores que o 25 de Abril “Dia” criou, e que a direita em geral, e os conservadores em particular, podem e devem preservar? São, essencialmente, três: a liberdade; a criação de uma ideia de lusofonia desgarrada da ideia do Império/Ultramar; e a rejeição de falsas unanimidades sociais e políticas.


Dizer que a liberdade é um valor retomado pelo 25 de Abril na ordem política portuguesa, após sessenta e três longos anos de interregno, é, nos dias que correm, um lugar-comum. Mas é um lugar-comum com algumas nuances a que vale a pena prestar atenção. Quando se fala na liberdade trazida, ou melhor, e em termos mais próprios de um conservador, recuperada pelo 25 de Abril, fala-se, essencialmente, numa liberdade cívica – as liberdades de reunião e associação, a liberdade de expressão, e por aí vai – e política – pluralismo de partidos políticos, sufrágio universal, entre outros. No entanto, estas são apenas duas facetas da liberdade, que precisam de ser conjugadas com outras, nomeadamente, a liberdade económica. Sem a liberdade económica, isto é, e como refere de forma cristalina António José Saraiva, sem um setor económico que seja independente e separado do Estado, não existe liberdade plena, e o autoritarismo do Estado, detentor do monopólio da força autorizada, terá sempre um solo fértil onde poderá germinar, seja essa a vontade dos decisores políticos. Assim, a liberdade que os conservadores devem preservar, que é aquela legada pelo 25 de Abril, é uma liberdade plena, ou seja, uma liberdade que engloba sociedade, política e economia.


O 25 de Abril “Dia” marcou também o início, não obstante o desastroso processo de descolonização, de uma nova visão para a relação entre Portugal e as suas ex-colónias, não mais assente na ideia de Império, mas sim na de Lusofonia. Esta ideia vê em Portugal, não uma metrópole que administra as suas possessões coloniais e que tem sobre elas uma posição de supremacia, mas sim uma espécie de fonte originária de uma cultura e de uma mundivisão que, por meio de processos históricos de muito longa duração, por vezes violentos, por vezes pacíficos, são hoje comuns a uma série de países e de nações que estão, do ponto de vista político, em pé de igualdade com essa fonte originária. Esta visão, de uma comunidade de países e povos irmanados por um sentimento de pertença comum, deve ser, em absoluto, preservada pelos conservadores, na medida em que é a chave para que Portugal possa, por um lado, sair da sua dependência quase servil do comércio e dos fundos da União Europeia, e, por outro, atrair mão de obra dos países da Lusofonia, de modo a conseguir reequilibrar, tanto o sistema de contribuições para a segurança social, como os números alarmantes da natalidade. Esta última questão, em particular, reveste-se da maior importância, na medida em que a vinda de pessoas com uma mundividência e uma cultura mais similares à portuguesa poupará o país aos choques civilizacionais e culturais a que têm assistido outros países europeus, com consequências nefastas para a paz social e a civilidade do discurso e ação políticas.


Por fim, o terceiro legado que o 25 de Abril “Dia” deixou ao país, é o da absoluta rejeição de falsos unanimismos, particularmente daqueles impostos pelo poder político à sociedade civil. Se analisarmos boa parte do discurso ideológico produzido pelo Estado Novo, principalmente depois de 1936, percebemos que ele assenta, essencialmente, numa ideia: a de que o país está em peso com o Dr. Oliveira Salazar, e de que os portugueses delegam nele, e apenas nele, a capacidade de interpretar os desejos e anseios da nação. O Dr. Salazar e as suas capacidades mediúnicas seriam, portanto, unânimes para os portugueses. Em tempos recentes, também se têm tentado criar outras unanimidades ilusórias. O Partido Socialista e o Dr. António Costa, por exemplo, têm feito um genuíno esforço para criar a narrativa de que é impossível, e desaconselhável até, haver um governo em Portugal que não seja liderado, ou que não conte com o apoio, do PS. O espírito profundamente antidemocrático que subjaz a este tipo de pensamento é exatamente igual ao espírito de que estava eivada toda a propaganda do Estado Novo: é o espírito do unanimismo, formulado na ideia de que a sociedade civil está unanimemente com um lado do espectro político, que se arvora em garante e portador único e incontestável dos valores do regime político vigente. Ora, foi precisamente este tipo de narrativa que os portugueses rejeitaram no dia 25 de Abril de 1974, ao derrubarem o Estado Novo, e abraçarem o pluralismo político, situação cristalizada pelas eleições para a Assembleia Constituinte de 25 de Abril de 1975. Cabe aos conservadores do presente preservarem este legado de pluralismo e discordância política, de modo a evitar que a atual narrativa autoritária do PS ganhe terreno, e venha originar, daqui a uns anos, a “mexicanização” do regime.


Uma Mentira Contada Pela Geringonça Continua a Ser Uma Mentira


Feita a distinção entre o 25 de Abril “Dia” e o 25 de Abril “Processo”, e elencados os valores que a direita deve conservar do 25 de Abril “Dia”, torna-se agora mais fácil desmontar a narrativa herdada da geringonça sobre a suposta incompatibilidade da direita com o 25 de Abril, infelizmente seguida por algumas figuras e partidos dessa área do espectro político.


Para a esquerda, só existe o 25 de Abril “Processo”. Ou melhor, e sendo mais rigoroso, só pode existir o 25 de Abril “Processo”. Porquê? Se a esquerda admitir que existe uma outra interpretação possível da data fundacional do regime, em que a defesa da liberdade e da democracia não são conspurcadas pela defesa das perseguições políticas, das prisões arbitrárias, da reforma agrária, da violência política endémica, e da tentativa de tomada do poder por parte da extrema-esquerda, então essa mesma esquerda deixa de ter o moral high ground de que se arvora. Ela passa, pelo contrário, a defender (e celebrar…) a interpretação do 25 de Abril que deixou o país à beira da guerra civil, e que o aproximou perigosamente de uma “democracia popular”, de perfil similar às que existiam, então, no Leste da Europa. Exposto desta forma, percebemos, na sua totalidade, o ardil da esquerda: de forma a preservar a sua imagem de meninos de coro que cantam os “amanhãs” - enquanto escondem punhais e foices debaixo das sotainas -, PS, e, particularmente, PCP e BE, restringem e manipulam a interpretação do 25 de Abril, de modo que, e numa lógica de tudo ou nada: ou somos a favor da liberdade, da democracia, e do que se passou no PREC, ou então somos inimigos da liberdade, da democracia e do que se passou no PREC, sem direito a meio termo. Espero ter conseguido demonstrar que esta visão das coisas é mentirosa, e condiz mais com as posições oficiais e unívocas que se praticavam no antigo regime do que com o pluralismo interpretativo que se deseja numa democracia liberal.




Conclusão


Apesar de poder parecer um artigo redundante, a sua escrita pretende contribuir para acabar com um certo mal-estar que se instalou na minha área política em relação à data do 25 de Abril. Tendo sido gerado exogenamente, este mal-estar criou raízes nos últimos seis anos, e é mais do que tempo de começar a arrancá-las. Por isso, é essencial que a direita e os conservadores se recordem dos pontos essenciais deste texto: primeiro, é falsa a ideia da esquerda de que existe apenas uma interpretação do 25 de Abril; e segundo, só a interpretação conservadora permite a preservação dos valores que têm norteado o país nos último cinquenta anos, e que o continuarão a nortear para o futuro, e, ao mesmo tempo, a rejeição do PREC e das divisões que quase levaram Portugal à guerra civil.


32 views

Recent Posts

See All

Lápide

Comments


bottom of page