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Tiago Monni

Por uma geração de apaixonados

O evento no alto do monte se inicia e traz muitas pessoas. Todos sabiam à partida que seria um sucesso, especialmente pela qualidade do marketing e da produção de imagem. A atração foi alta pela cerveja a 1 euro e pela possibilidade de promoções caso sejam pedidas várias (ainda que tivessem de pagar separadamente pelo copo; ecologicamente interessante, mas que ninguém se lembra de utilizar nas próximas vezes). Ademais, uma imagem de anúncio jovial e instigante contaminou as telas de todos, devido ao massivo compartilhamento por parte dos “mesmos de sempre”, exalantes de uma distintiva confiança no sucesso do evento. Por último, apenas foi preciso que os voláteis grupos de WhatsApp fizessem o seu trabalho. A palavra se espalhou!


A atmosfera constrói-se desde os precedentes, do que foi necessário para chegar lá. O metro que se atrasa, o Uber que não chega e o longo tempo de arrumação, enfeitando se das cores tendenciais da moda. O caminho é longo e tortuoso até o primeiro grande momento, a chegada ao evento.


Aqui, as expectativas, os desejos e as paixões construídas diluem-se nos empreendimentos noturnos e conduzam as decisões do Homem, porque este é o momento da atitude e da atividade, especialmente para aqueles que apodrecem diariamente em sua própria inércia, que exacerbam e semeiam os chamados “momentos” para redimirem-se de suas diárias imperfeições. “É aqui. É agora. As intenções efêmeras transformam-se em ações. Na verdade, TÊM de se transformar, porque se não agora, quando? O amanhã é superestimado”. Pronto, lá vai mais um gole.

É urgente saciar o coração sedento.

Contudo, passado algum tempo, os presentes começaram a notar certas particularidades. A música já não está a tocar e a cerveja dentro do copo “megaecológico” não tem gosto de nada. Os mais perspicazes, por sua vez, captam um elemento mais significativo, que vai alterar a sua perspetiva: relembram que aquelas imagens bonitinhas de anúncio, na verdade, não continham nenhuma informação, além da hora e do local. Não falavam sobre o que o evento realmente se tratava. “Ah fomos enganados! Isto é uma fraude!”

Entretanto, a luz do local também se apagou e ninguém sabe porquê, de forma que ficam todos a olhar para as silhuetas uns dos outros.


Nesse sentido, após uma rápida reflexão, percebem que, como um educado rebanho, quase por automatismo, seguiram os inquestionáveis ditames das redes e foram parar naquele local, sem dúvidas nem reticências. Pensaram na cerveja, na música, e também (espero que não soe estranho) no indomável poder que tem um homem dançante ao fim de noite e pronto, se sentiram atraídos, quase que “vinculados”. Mas agora, neste singular momento, não se apresenta nada disso que lhes é usual, que cultivam e idolatram no dia a dia; as promessas vazias que fizeram e que costumam fazer a si mesmo não se concretizaram.


Com a generalidade das pessoas tendo se apercebido da “estranheza” daquele momento, a sensação torna-se comum. Esta, contudo, não é de deceção, ou de raiva, mas sim algo praticamente incompreensível, de maneira que reina a calmaria e a reflexão. Parece um hiato na vida, um intervalo no ordeiro.


Chega das conversas fúteis que tentam driblar a música para alcançar o interlocutor, chega de homens dançantes ao espírito de Baco, chega de sorrisos forçados, chega de teatro. Estes indivíduos, que já que não escutam nada e veem pouco, resignam-se a pensar, a refletir e a questionar-se internamente. “Por que este momento não está a ser como era suposto?”, “O que eu vim cá fazer?”,” Para que servem todas estas pessoas?”, “Afinal, por que estou aqui?”.


Então, chegam a conclusão de que sempre estiveram perdidos, mas só notaram agora. Na verdade, o que melhor lhes define, e que também se aplica a nós, é que são constante e insistentemente mendicantes. Urgem por uma resposta, pois lhes é inata a necessidade indelével de um significado, de preencher um vazio para chegar a um suposto “uno”; algo que nunca obtiveram, mas que diariamente sentem a necessidade, agonizando em desespero.


Numa retrospeção mais profunda, verificaram que estiveram até agora a viver um ciclo de soluções fáceis, promessas e confortos efémeros que fazem a si mesmo para viver mais um ou dois dias, para depois buscarem outros, substancialmente iguais, mas que exalam um atraente ar de “novidade”, para prender os seus olhos e ações. Nada lhes é suficiente, nada lhes completa.


Então qual é a resposta? Francamente, a definitiva, não sei, mas tenho e adquiri a certeza que está ali mesmo, no alto do monte. À medida que os olhares, mesmo na escuridão, se entrelaçam, as silhuetas ficam cada vez mais claras e identificáveis, tornando-se um possível alento ao meio da profunda e incerta reflexão. Dessa maneira, as pessoas já não se consideram estranhas, pois passam a gozar de uma tácita e inédita sensação de conexão.

Isto porque, talvez já não visualizem as camadas e rusgas que diariamente colocam sobre si próprios (óbvio, está tudo escuro), mas focam naquilo que lhes é puro e impreterivelmente comum, a fonte de todos os seus questionamentos e indagações que clarificaram naquela noite: o pulsar fervente dos seus mendicantes corações.


Ao identificarem esta flama comum que nunca apaga, libertam-se. Assumem-se livres para dançar, não como protagonistas em um teatro que falsamente criaram, mas da forma que bem entenderem, sem amarras, nem censuras, pois já não julgam mais ninguém e já nenhum olhar reprovador lhes observa. Resta-lhes apenas a letícia de estar com iguais, viver com os outros.


De vez em quando, juntos, decidem parar para observar as estrelas e toda a imensidão que o alto do monte lhes proporciona. Assim, valorizam ainda mais uns aos outros: percebem o quão pequeno são diante da magnitude do universo, mas continuam a

desfrutar, pois sabem que se é para viver nestes trilhares de quilómetros quadrados, o devem fazer com esses ao seu lado.


Que história bonita e emocionante, acho que eles descobriram a beleza da vida.


Transpondo para a realidade, esta atitude generalizada pode nos valer como ensinamento. Indica-nos a audácia de dar um passo não-trivial de desapego total perante as faces e coisas que aparecem em primeiro plano, para, em um olhar despido de preconceitos, passarmos a considerar como irmãos os corações igualmente insaciáveis ao redor. Significa corajosamente cegar-se às coisas passageiras (especialmente, as piores que se possa achar de uma pessoa) para visualizar nitidamente os nossos elementos absolutos e originários, reveladores do belo, condizentes com a forma e com o porquê de que fomos criados.


Finalmente, acho que agora já sei a resposta definitiva: o amor irremediável, interminável, insuperável e incensurável pelo Homem. Foi isso que encontrei, depois de cego por tanto tempo!


Ademais, provindo desse amor, vejo que não basta surgirem apenas aqueles que amam episodicamente, destinados somente a um agrado dos seus favoritos, quando lhes convém, para aparecer bem nas fotos; mas sim um “exército de enamorados”, que tem a contínua coragem de dançar com liberdade, em conjunto, no alto do monte, independentemente das circunstâncias.


Em uma nota final, agora sobre mim, que pretensiosamente vem aqui vos escrever, sei que não sou perfeito, apesar de ineficazmente o tentar ser. Apaixono-me e deixo-me seduzir pelas coisas mais efémeras e frívolas possíveis, e porventura não me preocupo de expressar os meus preconceitos. Só tento estar sóbrio o suficiente para caminhar até o bendito alto do monte, onde sei que posso encontrar a resposta para o meu coração, em um trajeto que só vale a pena se estiver acompanhado dos meus irmãos.


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