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Ana Leonor Leite

Raízes

Já cantava a Dulce Pontes “Fado, só quando a saudade vem/Arrancar do meu passado/Um grande amor” na sua emblemática música para o Festival Eurovisão da Canção em 1991.


E recordo, passados 30 anos, os mesmos com que a minha mãe me trouxe ao mundo, estas palavras que interpreto do seguinte modo: só nos lembramos das nossas origens quanto bate a saudade, quando nos confrontamos com essa falta. E é precisamente em dedicação às terras e terrinhas que a maioria dos lisboetas têm pelo país, sejam elas as suas origens, as dos pais ou avós. Sim, e termina aqui porque a partir da terceira geração, de acordo com o meu pai, já se é considerado “alfacinha de gema”, que, assim sendo, é o que me pode definir a cerca de 50%. “Mas porquê a metade?” – perguntarão, talvez, vocês. E respondo-o da forma mais breve que conseguir e, como todas as boas histórias, começá-la-ei pelo início.


Ora, começando pelos mais velhos (que na verdade são quem já cá não está), o meu avô paterno, como bom tripeiro de apelido Leite (que herdou da sua mãe, que por algum motivo quebrou a tradição e deu nome à sua família e ao marido), era do Porto, mas cedo ficou órfão, acabando num orfanato do piorio, pelo que aos 18 se alistou na Sagres, como forma de se lhe escapar e à fome, bem como para conquistar a sua independência, como qualquer jovem de 18 anos desejaria.


Através das viagens feitas a tal propósito, acabou por conhecer a minha Avó, alfacinha nascida e criada, se bem que não pelos pais, mas sim por uma criada a quem apelidava carinhosamente de Mãezinha. Desta união nascem o meu pai e o meu tio, em Benfica, mas levados para morar na antiga freguesia do Alto do Pina, agora Areeiro (sim, a estação de metro que nunca mais é arranjada), mas que viveram sempre entre Lisboa e a casa de férias na Lagoa de Albufeira, onde se viriam a refugiar quando souberam com antecedência que no dia 25 de Abril de 1974 iria haver uma revolução e que iriam tentar ocupar, forçosamente, as casas que sem dono se encontrassem.



Virando-me para o meu lado materno, posso dizer antes de mais que a história é curta. Sou Faveiro, apelido conhecido em Ansião, Leiria, de onde é a minha mãe (se bem que nascida em Coimbra e que mais tarde lá faria os estudos) e porventura todos os seus antecedentes – porque nas aldeias assim é: fácil de sabermos as nossas origens.


Finalmente eu, uma “alfacinha de gema” nascida na exata freguesia onde atualmente estudo, São Sebastião da Pedreira, na Maternidade Alfredo da Costa, assim como quase todos os restantes lisboetas. Mas falta ainda outro elemento à minha autodefinição, pois me mudei para Odivelas, com 2 anos, sendo aqui que cresci e onde tenho os meus amigos, pelo que terei de reescrever o dito acima: uma “alfacinha de gema odivelense”.


O que quer que isto quer dizer é precisamente o que estou a tentar descobrir. Sempre vivi entre Odivelas e Lisboa, ora vivendo em Odivelas, ora indo a consultas em Lisboa, ora estudando em Odivelas, ora passeando por Lisboa. Ainda tenho a minha terrinha, Ansião, mas, para ser sincera, não me se lhe conecto. Não conheço as pessoas, as histórias por detrás delas, nem as casas que passaram de uma família para outra, mas que no fundo estão ali todas interligadas.


Considero-me, por isso, uma alfacinha odivelense sem terra. Com origens, mas, na verdade, com demasiadas para poder dizer que sou, de facto, de uma. Gosto de descobrir mais factos históricos sobre Odivelas, é verdade, mas daqui não tenho “sangue”, e adicionado à minha preferência pelas ruas de Lisboa resulta no caos que é a minha mente. Aliás, todo este pensamento é produto do que se aqui se iniciou quando fui com as madrinhas de praxe comprar o traje académico e me perguntaram de onde eu era. E eu encravei, não tive resposta pronta, como costumo sempre ter, e calculo, igualmente, que, se tudo correr bem, tal encravadela aconteça mais vezes, despoletando toda esta e outras linhas de pensamento que se cruzam e entrecruzam no meu cerebelo.

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