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Writer's pictureJurpontonal Nova Law Lisboa

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É fácil olhar, ser olhado, mas sem ser visto. Gosto que me toques, gosto da minha mão no teu cabelo curto e da tua na minha cintura, ou quando desces um pouco mais, mas não gosto que me olhes nos olhos. Porque aí não me dás aquele calor, fazes-me sentir frio no fundo da barriga. Não olhes nos meus olhos que eu posso chorar, canta baixinho mas uma música que não fale de nós. Se me encostar a ti, finge que não percebes, deixa-te estar nesse teu canto. Prefiro que não me olhes, é assustador pensar que me podes ver.


Quero sentir-te mas não abras esse teu livro, não vás querer também que eu te conte a minha história em voz alta. Não tires a minha roupa toda, estas estrias não te mostro. Há coisas que não sabes, que não vais gostar, que não quero que gostes. Vira-te para lá, não durmas ao meu lado, deixas-me desconfortável, falas muito e pareces querer saber tudo. Beijos na testa, não te atrevas. E muda o perfume, que tenho medo de fixar o cheiro.


Procuro-te nas ruas, nas entradas do metro, quando chove e quando visto aquela blusa que gostas. Não falo de ti com medo que me ouças, por mais longe que possas estar. Não quero que saibas que fico vermelha e coro quando me elogias, pareço uma adolescente, porra!

Guardo dentro de mim um pânico de que saibam, tapo os ouvidos com as mãos e deslizo pela parede enquanto me deixo cair em pranto. Sento-me no chão frio e preocupo-me por sentir pouco. É que quero deambular, sentir prazer aqui, quero que me ouçam, tenho urgência em seguir a minha vontade.


Mas assusta-me o quanto quero que saibas acerca de mim, a pressa que tenho de dizer tanta coisa, falar-te da minha mãe, do meu corpo, da doença, do medo de que me vejas falhar. Vais-te assustar, vou-te afastar. Só podes gostar do pouco que vês, do bocadinho que te dou.


Conhecer é o ponto final ou de partida? Porque quero fugir à inércia, ao não saberes de mim, ao conforto da impessoalidade, o pensar que te posso e consigo afastar só porque sim. Não me sinto preparada, não vejas as olheiras, as costas demasiado magras, não me vejas dormir tantas horas ou a não dormir de todo. Não olhes assim para mim. Não venhas ser o tema da minha terapia.


Posso ver-te de fora, admirar-te daqui ou então só tocar-te, agora não fales, abraça-me devagar. Não tenho nada para te dizer, nem devias estar aqui. Fecho a porta com estrondo, piso um vidro do copo partido e sei que acabou. Apetece-me abrir a porta outra vez, correr atrás de ti e dizer que te conto tudo, agora sim, senta-te, eu vou falar. Mas o pé está dorido e tu já foste embora, era a última oportunidade. Não me viste porque eu te pedi que não olhasses.



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