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Inês Fonseca

Se(nti)r dói

Tenho dificuldades em ser humana. Ser dói. Não consigo aguentar nem mais um mero segundo que seja a ser algo pertencente desta humanidade.


Que as portas do que sinto, abertas ao exterior e com acolhimento próprio a toda e qualquer informação, fechassem. A sete-chaves, e com todos os monstros que desenhei em papel (aquando da idade dos beijinhos que tudo curavam) a guardar as longas e enferrujadas portadas.


Sangue escorre-me dos olhos com o que vejo a acontecer; sufoco na minha própria saliva com as palavras que tento dizer; bloqueio as minhas próprias narinas só para não ter de respirar, nem por mais uma vez que seja, este oxigénio; que a cera dos meus ouvidos se multiplicasse do modo mais asqueroso possível só para eu deixar de ouvir o que ouço; que eu andasse coberta por uma fina camada de tecido, que substituísse a minha pele, só para eu deixar de sentir o que sinto com as fissuras da minha impressão digital, dos meus poros; que o meu coração palpitante, ritmado e constante, estagnasse. Que fosse transportado de mim para um outro alguém, e que esse outro alguém fosse capaz de lhe dar o lar que ele merece. Este T0 só consegue dar casa ao meu cérebro e, além disso, o coração tem vindo a falhar os pagamentos do condomínio. Com os meus pensamentos lido eu bem, agora não me ponham à prova contra as minhas próprias emoções, pois aqui vos garanto, que eu sairia deste combate completamente derrotada. Miserável, enganada, esbofeteada.


Seria contraproducente pensar que fui eu que criei o que eu sou, quando o que eu sinto criou mil e uma versões de mim, dispersas e independentes, com vida e alimento próprio. Eu só pedia uma reunião de cada uma das faces que vejo ao espelho, para que a um consenso emocional fosse possível chegar.


O que sinto é maior que eu, e eu própria já sou alta o suficiente para isto. Alguém que passe no interruptor da luz e o desligue. Talvez às escuras os meus sentimentos esbarrem contra a parede e se deixem ficar caídos no canto do quarto, à espera de serem varridos e atirados para um caixote de lixo reutilizável, só para voltarem a cair nas minhas mãos. Quase como uma pastilha elástica de 5 cêntimos. Aquelas da mercearia ao fundo da rua, aquelas que perdem o sabor de imediato, mas que se continua a mascar.


Eu não penso demais, eu sinto demais.


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