top of page
António Subtil

Sem título


Come –



Começar –


… Começar a –




Começar é difícil. Principalmente o dia, que é o começo de todos os outros começos bem vistas as coisas. Talvez por isso fique na cama, olhando o ar e comendo poeira. Só me levanto se a fome for mais forte, e por aí já é noite. O tempo passado na cama é sagrado, protegido das rotinas do dia, rotinas que à noite me fazem molengar voltar à cama, e assim fico acordado até altas horas: o renascer do dia, da rotina, da puta da rotina, da rotina que no fundo é uma montanha, é só dar o primeiro passo e vamos a rebolar encosta abaixo, a alma sangrando pelo caminho.


O primeiro passo custa.


Talvez o começo me mate por pegar na minha cabeça e atirá-la contra a calçada da realidade. Até começar, tudo é possível, e todo o mundo é fruto e posse da minha imaginação, imperador-deus-césar supremo, juiz, júri, carrasco. Mas quando começo, apercebo-me: sou só António, e o que faço não é o que imagino. E o discurso que fiz vira confissão desajeitada, e os meus dedos demasiado fracos fodem a fuga de Bach, e…


E…



O meu reino limita-se aos quatro cantos do meu colchão. E dele não saio. E não começo.


Acho que é por isso que a morte me fascina desde criança: o fim dos começos. Mais, o começo eterno, com uma inércia tão esmagadora que nem tenho de dar o primeiro passo.


Eu amo finais.


Mas. Isso significa que. Tenho de dar o primeiro passo para chegar ao sopé, se quero atingir os meus fins, os que me farão verdadeiro rei de algo de valioso.


Portanto tenho de começar.


Tenho de…



Começar a escrever.



27 views

Recent Posts

See All

Σχόλια


bottom of page