Sem título
- António Subtil
- Sep 8, 2022
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Come –
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Começar –
… Começar a –
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Começar é difícil. Principalmente o dia, que é o começo de todos os outros começos bem vistas as coisas. Talvez por isso fique na cama, olhando o ar e comendo poeira. Só me levanto se a fome for mais forte, e por aí já é noite. O tempo passado na cama é sagrado, protegido das rotinas do dia, rotinas que à noite me fazem molengar voltar à cama, e assim fico acordado até altas horas: o renascer do dia, da rotina, da puta da rotina, da rotina que no fundo é uma montanha, é só dar o primeiro passo e vamos a rebolar encosta abaixo, a alma sangrando pelo caminho.
O primeiro passo custa.
Talvez o começo me mate por pegar na minha cabeça e atirá-la contra a calçada da realidade. Até começar, tudo é possível, e todo o mundo é fruto e posse da minha imaginação, imperador-deus-césar supremo, juiz, júri, carrasco. Mas quando começo, apercebo-me: sou só António, e o que faço não é o que imagino. E o discurso que fiz vira confissão desajeitada, e os meus dedos demasiado fracos fodem a fuga de Bach, e…
E…
…
O meu reino limita-se aos quatro cantos do meu colchão. E dele não saio. E não começo.
Acho que é por isso que a morte me fascina desde criança: o fim dos começos. Mais, o começo eterno, com uma inércia tão esmagadora que nem tenho de dar o primeiro passo.
Eu amo finais.
Mas. Isso significa que. Tenho de dar o primeiro passo para chegar ao sopé, se quero atingir os meus fins, os que me farão verdadeiro rei de algo de valioso.
Portanto tenho de começar.
Tenho de…
…
Começar a escrever.
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