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Rafael Guerra

(Ser) homem, (estar) Mulher

Estou cansado de ser homem. Estou farto de não ter pés para esta dança. Nós homens somos filistinos – enchemos salas de estar para ser, e não entendemos as Mulheres que se comprazem e se ficam pelo estar. Nós homens queremos a feminilidade, sonhamos com ela, verdadeiramente. Mas estas mãos estultificadas nunca aprenderam senão a dominar e a esmagar, e por isso queremos a feminilidade – mas para a dominar; para a subjugar. Não suportamos a fatuidade de um espírito livre – mãos ensinadas para agarrar nunca poderão mexer apenas.


As Mulheres querem-nos para serem mais; para se divertirem tanto quanto se divertem consigo mesmas – as Mulheres são seres autossuficientes; em bom rigor, não precisam de nós para nada. As Mulheres (e)s(t)ão imperfeitas, (e)s(t)ão detestáveis, (e)s(t)ão teimosas, as Mulheres (e)s(t)ão o (onde) que quiserem, mas (e)s(t)ão. Os homens são apenas homens. O homem é vil. O homem não pode chorar, nem pode sentir, nem pode tocar, nem pode brincar, nem pode ser (estar) como a Mulher. Mas em vez de tentar ser Mulher, o homem tentou com que a Mulher fosse homem. O homem é invejoso.


O homem sabe que toda a essência do mundo está contida no ventre de uma Mulher; o homem sabe que ninguém alguma vez poderá definir tão bem o mundo como a silhueta das palavras de uma Mulher. E por isso tentou criar um mundo à sua própria imagem. E dele só pariram esperanças estéreis, guerras fecundas e a constante tentativa de reduzir ao apreensível a incerteza irrepreensível da vida. O grosseiro do homem nunca alguma vez poderá permitir a forma como a Mulher (se) reinventa e (se) reinterpreta ao longo da sua existência; o indelicado do homem nunca alguma vez poderá tolerar a forma como a Mulher se acoita na ambiguidade das palavras e se saracoteia feliz com as entrelinhas e as frases deixadas a meio. O amedrontado do homem nunca alguma vez poderá deixar a Mulher caminhar intrépida nas fronteiras vertiginosas das taxonomias e das classificações estanques e toscamente seguras que ele criou, pois sabe que cada passo dado é um pilar que cai na sua conceção ridiculamente simples do mundo. O impaciente do homem nunca alguma vez poderá aguentar a forma como a mulher não se apressa no fruir do seu porvir; o inoportuno do homem nunca alguma vez compreenderá a mulher que não força nada, por saber que forçar algo é transplantar a semente da (im)possibilidade para o solo árido da previsibilidade.


Mas o homem até a ser homem é mau – e em cada peito quente de Mulher ecoa e adormece um murmúrio mavioso da feminilidade. Reverbera um irrecuperável canto. Um incalcinável sussurro, que se eleva e se agiganta; que um dia se tornará irreversível, e que nos seduz – que nos promete um mundo onde é a Mulher a norma, e que por isso não há mais norma. Que nos promete um mundo onde não se trata mais de ser mulher nem homem, mas sim de se ser humano. Um mundo que não vira a cara ao jogo e à dança. Um mundo que se recusou estar submisso à autoridade inquestionável e objetiva das palavras, e que fez delas o que quis. Um mundo feminino – um mundo real (aparente).


Para a Mulher nunca será uma questão de ser, mas de estar.


E eu estou cansado de ser (homem).


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