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Beatriz Diogo

Ser tudo o que quero ser (monólogo)

Vivo no medo constante de não ser tudo aquilo que devia ser, de não ir onde devia ir, de perder o que não sabia que tinha, de deixar a minha sombra cobrir a face brilhante da lua no meu céu. Diz-me, e tu? Sonhas todos os sonhos do mundo? Ris como se não houvesse nada melhor para rir do que este preciso momento? Diz-me, vives tudo o que tens para viver?


Tudo o que alguma vez serei é apenas metade do que sou. Tudo o que te mostro não é tudo o que tenho, mas vai ficar para ti como tal. Tudo o que digo não consegue ter tudo o que penso, mas penso na mesma. Penso por inteiro, sou por metade. Sou, mesmo? Não sei. Meias respostas são tudo o que te dou, porque são metade daquilo que sou.


Não me lembro de quem fui. Quem fui hoje, ontem e amanhã. Lembro-me do que tu foste. Lembro me de tudo o que vais ser, da tua luz e do que ficou na sombra de quem eu sou. O dia é teu, mas a noite é para mim. Tu sorris, ris, entras e falas. Eu olho para ti, vejo-te na minha memória e sei que em alguma perspetiva paralela não sou menos do que quem tu dizes ser. Mas esse eu que te falta nunca vai ver o dia nem a luz que tu lhe dás. O dia és tu. És felicidade, alegria contagiante e palavras de ânimo para quem tiver a maior sorte do mundo. A noite sou eu. Os pensamentos que ficaram por ser ditos, os olhos que se encheram de lágrimas sem tu veres, a tristeza de saber que tu podias ser mais do que alguma vez serás e não és, por causa de mim.


Para cada face da lua que brilha no céu, há outra que a escuridão ofusca. Diz-me, qual vale mais? Os raios brilhantes da felicidade aparentemente genuína que esquece tudo o resto, esses valem tudo? Não, porque mesmo assim não conseguem ser tudo o que deviam ser. As noites de lua nova dão-me as respostas que tu não és capaz de dar. Dão-me as palavras duras, as certezas que para ti são infelizes probabilidades algures no futuro, a realização constante do quão incompletas somos. Tu por causa de mim e eu por ti. Diz-me, quem é que vale mais?

Hipócrita da minha parte pedir-te para responderes ao que não tem resposta. Ou tem? Algures entre as duas faces da lua, perdido talvez na madrugada, no pequeno espaço de tempo em que a escuridão e a luz coexistem, quando tu abandonas sonhos e eu vejo uma luz a escapar do meu coração, quando eu e tu não existimos sozinhas, quando eu te vejo e tu me vês, quando existimos por completo sim, temos resposta. Nada vale mais do que um raio de luz na escuridão ou uma sombra num dia de sol. Às vezes, tudo o que precisamos é de uma luzinha para podermos aproveitar o escuro e as suas maravilhas assustadoras. Outras vezes, num momento de calma e paz, procuramos uma sombra no caos de positividade radiante do sol. Agora que somos só eu e tu, agora que somos nós no mais perfeito equilíbrio, diz-me, porque é que não somos sempre assim? Porque é que temos medo de perder o que não sabíamos que tínhamos quando temos em nós “todos os sonhos do mundo”? Não me deixes arrastar-te para baixo. Promete que dizes o que eu penso também. Promete, por favor, que vamos ser tudo o que queremos ser.


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