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Maria Leonor Baptista

Setembro

Hoje começa o outono. Setembro sabe-me a melancolia. É o mês das comédias românticas, as protagonistas vêm ligeiramente tocadas pelo sol, ela com umas pequeninas sardas e manchinhas na pele, engordou um pouco, mas tenta todos os dias não pensar demasiado nisso. Veio com a sensação de que podia, de que devia ter vivido mais, foi tocada pelo sol, pela areia, pela água salgada, mas espera agora outro toque, mais profundo, mais íntimo.


Setembro não tem saldo na conta bancária para a protagonista que é estudante, é o mês em que se quer ver livre dos pais, da sua casa, já não é criança, mas sente-se infantil, quer que lhe façam as vontades, que a peguem ao colo. Repete-se quando fala com as amigas, conta a todas a mesma história, mas muitas vezes guarda só para ela, às vezes ao chegar a casa doiem-lhe os pés, já não lava os dentes, deita-se na cama, chora e dorme e não é tudo tão bonito assim.

Mas quando acorda promete que vai ser diferente, vai tomar o pequeno almoço para não acumular a fome toda para aquele deslize que lhe é costume à noite, não vai misturar o café com os comprimidos, vai usar corretor e rímel e fazer uma máquina de roupa. Não importa que ontem às 11 não se conseguisse sentir, agora são 7 da manhã e as coisas têm de mudar, ela quer melhorar. Coloca muita pressão em si, mas desculpa os outros. Sente muito, demais. Não quer ligar à mãe, só precisa de algum carinho, conforto. Os lençóis da cama têm de ser trocados e a louça da máquina despejada, a liberdade sabe a isto, e sabe bem. Não é isso que a incomoda, é sentir-se tão frágil, na mão, como se pudesse a qualquer momento ser despedaçada. Tenta ignorar aquelas bolachas antes de dormir, o cheiro a tabaco entranhado na roupa.

Se ao menos conseguisse dormir em paz, chorar em paz, agradar a todos, fazer mais exercício. As folhas das árvores estão a cair, e eu só queria que me caisse esta vontade de ser perfeita, esta imposição a mim mesma, o sofrer por antecipação. Acho que não notam, só até certo ponto, só até que eu deixe, mas não me toquem na ferida, por favor. Vamos fingir que não sabem, que não veem, elogiemo-nos uns aos outros, vamos fazer por parecer bem. Caramba, eu estou bem. Não quero que me achem tão vulnerável. Não queria ser tão vulnerável. Não queria que soubessem. Não queria... só queria o verão, que é a estação do ano que menos gosto.

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