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Rita Esteves

Uma colher de açúcar, meia de sal: a receita secreta para um processo criativo atribulado

Enquanto redatores, nasce connosco um dever de transmitir em palavras as nossas deambulações mentais. Por vezes, é aquilo que sentimos numa sexta-feira à tarde, depois de 8 horas de aulas sobre a 'lei das coisas'. Por outras, uma das muitas tragédias que a vida nos dá de presente, num embrulho cor-de-rosa com um lacinho dourado (para parecer menos trágico, claro). Ocasionalmente, são as pequenas reflexões que resultam de momentos mais ou menos filosóficos que nascem e procriam dentro das nossas cabeças.


Agarramos num papel, escrevemos. Escrevemos e apagamos, apagamos para escrever de novo, mas de uma forma diferente.


As nossas palavras são meros enfeites para uma ideia: procuramos sempre deixá-la bonita, percetível aos olhos de todos. Não há nada mais temível para um escritor que a falta de clareza.


A lógica, contudo, nem sempre se aplica. Como transformar pensamentos descabidos em algo minimamente coerente? Como escrever em algumas frases conexões neurológicas pouco claras e incongruentes? Nem mesmo as palavras alcançam essa proeza: a elas está reservado um domínio diferente, o que deixa a ideia apelativa ao público.


A frase não fica bem desta forma, ou será a reflexão que não faz sentido? Será que entenderão o que quero dizer? E se entenderem e não gostarem? Ou se gostarem dos adereços da ideia, mas não da ideia em si?


Ah, se eu pudesse vomitar tudo o que penso e sinto para um pedaço de papel e chamá-lo de texto! Mas não posso. Há que trabalhar na coisa, há que aperfeiçoar, reescrever, triturar, misturar, adicionar uma colher de açúcar e meia de sal e levar ao forno para ficar pronto em... tempo indefinido? Provavelmente uma eternidade, com sorte em 2 dias úteis, por milagre em 3 horas.


E se não fosse este dever, este sentimento, esta vontade de partilhar o nosso engenho, o papel ficaria vazio, a caneta cheia, e os leitores sem nada para remoer dentro do próprio juízo.


Mas não o fazemos só pelos leitores, fazemo-lo por nós próprios, fazemo-lo porque nascemos assim: é uma condição que nos é inerente. E que fazer quanto a isso? Nada! Aceitamos a nossa conjuntura e arranjamos remédio para o problema: não há como fugir ao processo criativo nem à satisfação que um texto terminado e novinho em folha nos traz.


Assim, recapitulando, mais uma vez: agarramos num papel, escrevemos, escrevemos para apagar, escrevemos para reescrever, reescrevemos para repensar. Paramos para depois recomeçar de novo. Por fim, rasgamos a folha, apagamos o parágrafo que redigimos durante a última meia hora. Desesperamos, mas o pensamento, a ideia, o sentimento, esses não desaparecem, são insanáveis e insistentes. O dever não evapora, a vontade não se extingue. Que chatice, não há como escapar ao nosso destino ou evitar quem somos.


Por fim, rendemo-nos ao impulso: escrevemos, escrevemos muito, sentimos ainda mais, escrevemos porque sentimos, escrevemos porque é isso que somos: ideias bonitas num papel com tinta colorida e uma assinatura.


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