top of page
Francisco Jesus

à deriva

sinto o barco que já soube conduzir, a afundar


comecei a viagem, estava preparado, pensava eu.

tinha o mérito, o estudo, tinha a dedicação.

acreditava que não havia onda que me derrubasse.


no início a ondulação estava calminha.

e eu conduzia o barco suavemente, nas calmas,

era eu e o barco e o mar, unidos num só,

em sintonia e amizade, em direção a bom porto.


aventurei-me, brinquei, deixei o barco chapinhar

na água calma e tenra, tinha tudo controlado.

a primeira onda, nem dei por ela. foi tão suave,

nem a senti. continuei a minha viagem.


veio uma segunda, uma terceira,

continuei como se nada fosse,

um bom capitão sabe lidar com alguma ondulação.


e de repente já não eram três, eram dez, vinte

o barco abanava por todos os lados,

por mais que tentasse o leme já não obedecia,

e vi-me forçado a questionar a minha capitania.


era um bom capitão, ou tive um mar fácil de mais?


quero voltar ao mar calminho e conhecido.

quero fugir destas ondas que me atacam,

me violentam, me odeiam.

destas que se esforçam para me afogar vezes sem conta.


estou cansado de me proteger contra o embate.

estou desperado por uma faixa de areia onde

possa deixar o barco e nunca mais voltar ao mar.


quero que as ondas voltem a ser minhas amigas,

quero voltar a ser eu, o meu barco e elas,

em amizade, sintonia e ligação.

quero parar de odiar o que outrora amei.


quero chegar com o barco, direito, a bom porto.

é pedir muito?

estou cansado. cansado das ondas,

da viagem, da batalha.


quero descanso. não aguento mais

os dedos engelhados e a rispidez da onda bruta

que abana o barco que com tanto carinho construí.

como aproveito a viagem se é ela a razão do meu desespero?



17 views

Recent Posts

See All

Lápide

Comments


bottom of page